domingo, 15 de fevereiro de 2009

FICHAMENTO: UMA BREVE HISTÓRIA DA RELAÇÃO ENTRE O CÉREBRO E A MENTE


UM DOS OBJETIVOS DAS NEUROCIÊNCIAS:

  • Explicar como a cognição e a consciência humana nascem da atividade do cérebro.

DO QUE TRATARÁ O CAPITÚLO?

  • Da modificação no decorrer da história da abordagem da neurociência quanto a concepção do que são e quais são os mecanismos da consciência e da cognição.

PROBLEMA:

  • Definição conceitual de consciência e cognição.

POR QUE?

  • Confusão entre um conceito e outro, muitas vezes são usados como sinônimos.
  • O outro motivo que a autora alega para a indefinição do conceito acredito não se justificar (“a grande parte da literatura em neurociência ser em língua inglesa e alguns termos não terem traduções exata no português), isso porque a origem dos dois conceitos na língua anglo-saxônica são de origem latina, da mesma forma que no português.

O QUE DIZ OS DICIONÁRIOS SOBRE ESSES DOIS CONCEITOS?

  • Consciência/cognição no “Dicionário Aurélio”: menciona para que serve, mas não o que é. Posteriormente, como sinônimo de conhecimento. A denotação conhecimento é dada como sinônimo de cognição, que também é definida como aquisição de conhecimento. Desta forma, na língua portuguesa, considerando as definições apresentadas no dicionário citado, não é apresentado uma diferenciação satisfatória entre o que é consciência e o que é cognição.
  • Consciência/cognição no “American Heritage Dictionary”: consciência (consciousness) – estar consciente e componente do estado de vigília perceptível por uma pessoa a qualquer instante (consciente-psicanálise); consciência (conscious) – ter ciência do seu ambiente e da sua própria existência, sensações, e pensamentos; ser capaz de pensamento, volição, percepção; conhecer ou sentir subjetivamente; ter intencionalidade e deliberação; estar atento ou sensível interiormente.

O QUE É A NEUROCIÊNCIA?

  • Conjuntos de disciplinas que estudam, pelos mais variados métodos, o sistema nervoso e a relação entre as funções cerebrais e mentais (a dicotomia entre cérebro e mente presente no conceito – grifos meus).

OS RAMOS DAS NEUROCIÊNCIAS:

  • Neuroanatomia, neurobiologia, neuroendocrinologia, neurofarmacologia, neurofisiologia, neurogenética, neurologia, neuropatologia, neuropsicologia, neuropsiquiatria, neuroquímica, neurorradiologia.

QUANDO SE DEU O FORTALECIMENTO DA CRENÇA DE QUE O SISTEMA NERVOSO DESEMPENHA ALGUM PAPEL NA CONCIÊNCIA E NA COGNIÇÃO?

  • Século III a.C. quando Herophilus (335-280 a.C.) e Erasistratus (310-250 a.C.), no Egito, inauguraram os estudos anatômicos do cérebro, dissecando cadáveres, e forneceram as primeiras descrições mais detalhadas do cérebro humano, especialmente dos ventrículos cerebrais. Em 130-200 d.C. o médico romano Galeno via os ventrículos cerebrais em detalhe, e acreditava que neles eram armazenados os espíritos animais, no entanto ele associava a imaginação, o intelecto e a memória com a matéria cerebral. Galeno também argumentava que as funções mentais podiam ser afetadas separadamente por diferentes lesões e doenças, mas não chegou a propor um esquema de sua localização no encéfalo.

A LOCALIZAÇÃO DAS FUNÇÕES MENTAIS NO CEREBRO:

  • (viés permeado pelas crenças católicas) Século IV d.C., pela doutrina ventricular que defendia a localização da funções mentais em três câmaras no centro no cérebro. Desta maneira as funções superiores foram atribuídas aos ventrículos cerebrais. Nemesius (c.390) localizava a percepção nos ventrículos anteriores, mais próximos dos órgãos dos sentidos da face e das mãos; a cognição no ventrículo mediano; e a memória no ventrículo posterior.
  • Vesalius (1514-1564) rejeitava a localização das faculdades mentais nos ventrículos, para ele a função dos ventrículos era de possibilitar aos vasos sanguíneos levar nutrientes às partes mais profundas do cérebro. Quanto à localização das funções mentais superiores ele diante das limitações dos estudos anatômicos não pôde formar uma opinião acerca de como o cérebro regula a imaginação, o raciocínio e a memória.
  • Leonardo da Vinci (1472-1519) é o precursor de uma concepção mais realista da estrutura dos ventrículos. Ele injetou cera líquida nos ventrículos de um cérebro bovino e removeu os tecidos ao redor após a cera endurecer, revelando uma estrutura ventricular muito diferente das representações feitas na época. Entretanto Da Vinci não rejeitou a teoria ventricular apenas adaptou-a a desenhos anatomicamente corretos.
  • René Descartes (1596-1650) acreditava que os fluidos, ou espíritos animais, circulavam pelo cérebro, através dos tubos nervosos (os nervos), os fluidos levariam, por exemplo, a imagem visual até o local do cérebro em que elas entrariam em contato com a res cogitans, imaterial. Esse local era a glândula pineal.
    • COMO SE DEU O ROMPIMENTO DOS MAIS DE 1000 ANOS DA DOUTRINA VENTRICULAR?

(a autora considera que só no século XIX é que haverá o nascimento da neurociência com a associação da cognição ao córtex cerebral, por meio de Franz Gall)

  • Thomas Willis (1621-1675), escreveu um dos livros mais importante na história da neurociência, o Cerebri anatomie (1664), em que sugeria que os ventrículos eram apenas um resultado acidental das dobras do cérebro, mas ainda assim atribuía-lhes a função de formação e circulação dos espíritos animais. As funções mentais da memória e a volição seriam controladas agora pelos giros cerebrais, não pelos ventrículos. A percepção situada no corpo estriado, na porção basal e frontal do cérebro; a imaginação no corpus callososum (conjunto de fibras entre o estriado e o córtex); e a memória no córtex.
  • No início do século XIX por meio de Pierre Gratiolet (1814-1865) e François Leuret (1797-1851) – discípulo de Franz Gall é que as circunvoluções cerebrais foram reconhecidas como uma constante anatômica em cada espécie animal. Daí foi possível compreender e propor que diferentes funções mentais alojam-se em diferentes porções do córtex.
  • Para Gall o córtex cerebral é na verdade uma série de regiões com diferentes funções. Inicialmente postulou 27 faculdades afetivas e intelectuais e mais tarde foram ampliadas para 35 por Spurzheim.
  • Postulados de Gall sobre o córtex cerebral:
      • funções localizadas em regiões específicas
      • o desenvolvimento das faculdades afetivas e intelectivas é uma das funções da sua atividade e o nível de atividade de cada uma determina o tamanho do órgão cortical respectivo.
      • o desenvolvimento de cada região cortical causa deformações no crânio, por meio das quais podem ser avaliadas.
  • As idéias de Gall ofereciam uma hipótese de trabalho muito clara e possível de ser testada (a alegação de que o córtex apresenta regiões com funções especificas seria possível provocar deficiências no comportamento animal através da remoção de porções bem circunscritas do córtex cerebral). Dessa tentativa de confirmação da hipótese oriunda das idéias de Gall nascia um dos métodos da neurociência experimental.
  • A verdadeira revolução ocorreu com Paul Broca (1832-1880) quando declarou que a linguagem tinha uma localização precisa no córtex cerebral humano. A descoberta de Broca estabeleceu o espírito localizacionista de funções psicológicas no córtex cerebral.
  • Com as evidências fornecidas por Hermann Munk 1839-1912 (defendia a localização das funções sensoriais e motoras e forneceu evidências mais definitivas da localização da visão no córtex occipital) e David Ferrer (que ao provocar por meio de cirurgias bem delimitadas surdez e hemiplegia apoiava a localização de funções no córtex), a questão da localização das funções sensoriais foi rapidamente assentada no final do século XIX e o debate nesse campo passou a centrar-se na delimitação precisa das áreas sensoriais e se estas representariam sensações básicas ou “engramas” específicos, como cenas visuais.
  • Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) mostrou por meio de suas ilustrações histológicas que o cérebro não era uma rede contínua, mas sim um conjunto de unidades celulares discretas.
  • Cajal usando o método de Golgi (ardente defensor da Teoria Reticular que criou uma forma de colorir as células nervosas com dicromato de prata, cromato de potássio e nitrato de prata) fez observações que contestava a Teoria Reticular (o sistema nervoso seria um emaranhado único de massa uniforme e eqüipotente). Cajal via as terminações neuronais organizadas e obedecendo a arquiteturas padronizadas. Em vez de continuidade entre células Cajal via espaços entre elas. O trabalho de Cajal levava à proposição de uma nova teoria em detrimento da Teoria Reticular: a Teoria Neuronal (vê o sistema nervoso como um conjunto de células individuais, especializadas segundo a região do cérebro, e organizadas ordenadamente em um sistema complexo).
  • Se havia áreas anatomicamente diferentes, elas possivelmente teriam funções diferentes. Assim um dos mapas citoarquitetônicos propostos foi o de Korbinian Brodmann (1868-1918), que identificava 52 áreas diferentes. Hoje considera que várias das áreas identificadas por Brodmann correspondem a áreas funcionais.
  • Gustav Fritsch (1838-1927) e Eduardo Hitzig (1838-1907) demonstraram a localização funcional dos movimentos.
  • Harvey Cushing (1869-1939) observou que a estimulação da zona parietal do cérebro não provoca movimento, mas sim sensações táteis.
  • Wilder Penfield (1891-1976) produzia sensações de cores, luzes, sons e movimentos percebidos como reais pelo paciente, dependendo da porção do córtex estimulada. A estimulação do córtex temporal parecia recriar experiências passadas de tal maneira que o paciente as aceitava como autênticas. Penfield elaborou um novo esquema de localização das funções mentais no córtex.

AS SINAPSES E OS REFLEXOS

  • Sinapses: pequenos espaços entre as células nervosas, ou seja, são espaços intercelulares.
  • Arco reflexo: circuito formado por um neurônio sensorial que inerva um local da pele e um neurônio motor na medula que comanda músculos naquela região do corpo. Esse arco, às vezes contando com a ajuda de mais de um neurônio intermediário na medula, é suficiente para provocar os movimentos reflexos.

A CONSCIÊNCIA

  • Com o estabelecimento da localização funcional no córtex cerebral vinha o problema da integração – pois, apesar de seus componentes sensoriais e motores, a consciência é um fluxo contínuo e único.
  • Horace Magoun (1907-1991) e Giuseppe Moruzzi (1910-1986) estimularam por engano a formação reticular do mesencéfalo de um gato anestesiado. O eletroencefalograma, que indicava um estado de sono profundo, imediatamente mudou para um traçado semelhante ao do estado de vigília. Em outros experimentos observaram que a estimulação dessa região do cérebro causava não só uma ativação do eletroencefalograma, como também provocava um estado de alerta – ou de consciência – em animais anestesiados que estavam adormecidos ou sonolentos. A destruição da formação reticular tinha o efeito oposto: causava a inconsciência e o coma.
  • A partir da descoberta de Moruzzi e Magoun a manutenção do estado consciente dependia de mecanismos operantes no centro do cérebro, e não só de um córtex saudável.
  • Conexões neuronais: o mais provável mecanismo cerebral da memória e do aprendizado.

TÉCNICAS DE VISUALIZAÇÃO DO FUNCIONAMENTO CEREBRAL

  • Essa técnicas baseiam-se na relação entre a atividade mental e o metabolismo cerebral, ou seja, no aumento do consumo de oxigênio e de glicose pelos neurônios requisitados a cada momento.
  • O imageamento funcional tem mostrado que várias outras regiões do córtex são ativadas, além das áreas esperadas, o que indica que o funcionamento do cérebro envolve a coordenação de várias áreas trabalhando em conjunto.

(R.O.) INTERESSANTE PARA A APLICAÇÃO NA PSICOLOGIA CLÍNICA, PRINCIPALMENTE NO TRATAMENTO DOS DISTÚRBIOS DE ANSIEDADE:

  • A consciência do sentimento alerta o organismo para a situação que provocou a emoção, além de puxar a atenção sobre si, incentivando o planejamento de formas de reação adaptativas que sejam novas e talhadas sob medida para a ocasião.

OBSERVAÇÕES FINAIS SOBRE O ARTIGO:

A autora faz um panorama claro e conciso da evolução histórica da neurociência. Entretanto, parece ainda pré-maturo acreditar que as idéias concebidas sobre a consciência por Damásio em seu livro “O mistério da consciência” (1999) tenham resolvido o problema do funcionamento biológico da consciência.


HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Uma breve história da relação entre o cérebro e a mente. In ___ A Neurociência da mente e do comportamento (Coordenação de Roberto Lent). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2008. p. 2-17

LIVROS DA ÁREA DE NEUROCIÊNCIA LIDOS EM 2009/2010

* Psicologia da Percepção - R. H. DAY
* Os Sete Pecados da Memória - como a mente esquece e lembra - DANIEL L. SCHACTER
* Mentes Inquietas - TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade - ANA BEATRIZ BARBOSA SILVA

LIVROS DE LITERATURA LIDOS EM 2009/2010

* Memórias do Subsolo - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* Oráculos de Maio - ADÉLIA PRADO

* No Caminho de Swann - MARCEL PROUST

* Fantasma Sai de Cena - PHILIP ROTH

* Indignação - PHILIP ROTH

* Caim - SARAMAGO

* Recordações da Casa dos Mortos - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* O Seminarista - RUBEM FONSECA

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