sábado, 26 de setembro de 2009

ENTREVISTA COM KANDEL

Link: Kandel

MÉMORIA: ENTREVISTA COM ERIC KANDEL

Por Denis Russo Burgierman

Quando, nos anos 60, o psiquiatra Eric Kandel resolveu que ia dedicar seu tempo ao estudo da lesma-do-mar, um molusco tão pegajoso quanto primitivo, seus colegas acharam que ele tinha enlouquecido. Afinal, esse austríaco que migrou para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial jamais tinha manifestado interesse pelo mundo animal. Formado em letras e literatura, além de medicina, ele sempre pareceu mais interessado em desvendar os segredos do homem e, em especial, da mente humana.

Pois foi justamente isso que ele fez nas décadas que passou pesquisando o molusco. No sistema nervoso simples da lesma-do-mar, Kandel identificou os genes e as proteínas que tornam possível a memória nos neurônios. Os mecanismos que ele desvendou são os mesmos que, no cérebro humano, regem as lembranças de curto e longo prazo. Hoje pode-se dizer que quase tudo o que sabemos sobre a base molecular da memória se deve ao molusco e a Kandel.

Não é à toa que ele (Kandel, não o molusco) faturou, em outubro passado, o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia. Nesta entrevista à Super, o pesquisador de 71 anos, hoje trabalhando na Universidade Columbia, em Nova York, falou sobre a química da memória, os remédios do futuro e as incríveis novidades que irão mudar a pedagogia e a psicologia.


Super – Tem um poema que eu sei de cor. Quando eu me lembro dele, alguns versos me vêm na forma de imagens visuais, outras na de cheiros, sensações táteis, sonoras. Outros pedaços me trazem lembranças sentimentais ou me recordam de detalhes como, por exemplo, o de que o papel onde li o poema pela primeira vez era azul. Você pode me dizer onde esse poema está no meu cérebro?
O poema está armazenado em vários lugares diferentes. Conforme você o aprende, você visualiza partes dele – partes que provavelmente serão armazenadas em áreas visuais do cérebro. Outras talvez sejam guardadas em regiões ligadas à linguagem, ou nas que lidam com as emoções. Quando você recita o poema, essas diferentes áreas colaboram umas com as outras para formar uma lembrança. Acreditamos que as mesmas áreas responsáveis pelo processamento das informações cuidem das lembranças dessas informações – as áreas visuais são responsáveis pelas memórias visuais, as táteis pelas lembranças táteis e assim por diante. Não há um único "centro da memória" no cérebro, responsável por armazenar tudo.

E de que forma esse poema está guardado na minha mente?
Em grande parte, na forma de mudanças estruturais nos neurônios. A cada vez que aprendemos algo, formam-se novas ligações entre as células, novas sinapses. Seu poema causa mudanças químicas nos neurônios, induz a produção de novas proteínas, suprime outras.

Como é possível pesquisar a memória humana a partir da lesma-do-mar?
Quando comecei não sabíamos absolutamente nada sobre memória. Achei que seria útil começar do começo e, para estudar o caso mais simples, peguei o animal mais simples. Na aplísia, como chamamos a lesma-do-mar, você tem a vantagem de que há poucas células nervosas interconectadas de forma precisa, de modo que é mais fácil estudá-las.

Há muitas diferenças entre o homem e a lesma-do-mar? Temos muitas estruturas que esses animais não têm, ou dispomos do mesmo arsenal nervoso, apenas mais complexo?
Provavelmente temos alguns recursos que a aplísia não tem. Mas, surpreendentemente, nossas pesquisas estão mostrando que muito da diferença deve-se somente ao número maior de células nervosas e de suas interconexões. Nossos neurônios fazem mais ou menos as mesmas coisas – apenas estão em maior quantidade do que os da aplísia.

Pesquisas como a sua revelaram que muitas células no corpo possuem o mesmo mecanismo químico dos neurônios. Você acha que é possível que células fora do cérebro possuam algum tipo de memória?
Nós definimos memória como um resgate de informação sobre o passado que é expresso no comportamento. Os mesmos mecanismos moleculares podem estar envolvidos em mudanças a longo prazo no fígado ou no rim. Não chamaríamos isso de memória, e sim de mudanças adaptativas. Você levanta uma questão interessante: a de que é perfeitamente possível haver um número enorme de mecanismos moleculares para converter um sinal de curto prazo em um sinal de longo prazo. E que talvez o cérebro se utilize de apenas um deles para produzir memória. Talvez as células dos rins, assim como as do cérebro, sejam capazes de receber informações novas e fazer com que essas informações sejam registradas quimicamente. Dessa forma, elas também seriam capazes de um tipo de "aprendizado".

Você descobriu a proteína CREB-1, responsável por converter lembranças de curto prazo em memórias de longo prazo. A indústria farmacêutica não poderia usar essa proteína para fazer um remédio que nos dê uma supermemória?
Provavelmente não, mas acho que aparecerão drogas nos próximos cinco anos que ajudarão pessoas idosas a melhorar um pouco sua memória. Não acho que haverá drogas que farão de mim ou de você um supermemorioso, mas, em breve, as farmácias venderão "aspirinas para a mente".

Há motivos para acreditar que uma droga da supermemória não seja possível?
Antes de mais nada, não sei se seria desejável. Existem pessoas que possuem supermemória e elas tendem a levar uma vida miserável. Os supermemoriosos se lembram de absolutamente tudo, e todos precisamos esquecer algo. Essas pessoas geralmente são pouco criativas – para ser criativo você precisa de espaço na mente. Se você saturou a cabeça com números de telefones, o nome de todas as pessoas que você já encontrou, o nome das ruas pelas quais passou, fica difícil ter idéias. Os supermemoriosos têm a impressão de que seu cérebro está repleto de lixo. Todas as drogas possuem efeitos colaterais e os efeitos colaterais, nesse caso, podem ser piores do que a doença.

Mesmo se for uma supermemória por apenas uma hora, algo que eu tome antes de uma aula de alemão, por exemplo?
Isso seria uma boa idéia. É teoricamente possível, mas não posso prever algo tão distante.

Sua pesquisa pode mudar a psicologia?
Acho que sim. Aprendi uma quantidade enorme de coisas com a psicologia e tenho um respeito enorme por essa disciplina. Não compartilho do preconceito de vários neurocientistas, que a consideram uma pseudociência. Toda a idéia de estudar a memória é uma construção psicológica. Todo o meu trabalho deriva da psicologia. Mas essa ciência se baseava numa descrição do comportamento, sem o conhecimento do que acontece na cabeça. Termos como memória de curto e longo prazo eram conceitos abstratos e agora estamos descobrindo o substrato anatômico e fisiológico para isso. Estamos colocando a psicologia num nível biológico fundamental e, assim, vamos acabar fundindo as duas disciplinas: neurociência e psicologia serão uma coisa só.

Você tem dito também que essas pesquisas poderiam mudar a educação. Como isso aconteceria?
Por exemplo, descobrimos que o treinamento espaçado é melhor que o treinamento em massa. Ou seja, se você aprender as coisas em pequenos episódios separados absorve mais do que em uma longa sessão. Portanto, precisamos ter aulas curtas e com intervalos regulares. Acho que as pessoas ainda podem descobrir muito sobre os aspectos temporais dos eventos do aprendizado. Podemos entender melhor que parte do ciclo sono/vigília é ideal para o aprendizado, como aprender a associar as coisas, quais os tipos de dicas que facilitam a memorização de um poema. A neurociência nos ensinará uma variedade de técnicas para otimizar o armazenamento de informações no cérebro.

Fonte: http://super.abril.com.br/superarquivo/2001/conteudo_175289.shtml
Revista Super Interessante - Edição 163, abr.2001

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

APONTAMENTOS DA NEUROCIÊNCIA QUANTO À APRENDIZAGEM

A aquisição de novos conhecimentos que trazem como conseqüência uma modulação do comportamento é peculiar à aprendizagem, enquanto que a retenção desse conhecimento implica aspectos da memória. Assim, ambos os processos compartilham mecanismos neurais similares, que igualmente participam do controle da atenção, integração sensorial e percepção.

A memória de procedimentos é resultante do aumento da performance e, proporcionalmente, do incremento da precisão do gesto motor. Pode ser entendida como a habilidade motora ou sensorial que normalmente chamamos de “hábito”, tendo relação com os procedimentos motores responsáveis pela aquisição daquele tipo de memória. O aprendizado gradualmente produz diminuição no erro embutido na tarefa, aumento da coordenação e maior agilidade e velocidade na execução do movimento No modelo tradicional de Donald Hebb são postuladas idéias sobre reverberações sinápticas, ou seja, seqüências de cadeias neuronais são formadas a partir da aprendizagem. Tais cadeias representam informações distintas distribuídas ao longo do córtex, responsáveis por mecanismos de habituação, retenção de memória e recuperação de lesões (neuroplasticidade).

A banda de freqüência alfa vem sendo correlacionada a processos cognitivos, particularmente alfa rápido (10 e 12Hz). Parece que essa freqüência se modifica em face da exposição do sujeito a tarefas cognitivas dos mais diferentes níveis de complexidade. Beta é considerada uma freqüência de onda rápida (12 a 30Hz) e parece ser a que está mais relacionada com atividades motoras, tanto pré-motoras como motoras propriamente ditas. Tal freqüência tem considerável valor para as análises relativas aos movimentos normais e patológicos. A banda de freqüência teta está associada a processos de automatismo e atenção, sendo correlacionada diretamente aos mecanismos de potencialização de longa duração e depressão de longa duração que fundamentam bioquimicamente o aprendizado.


VICTOR HUGO BASTOS et. al.
em Análise da distribuição de potência cortical em função do aprendizado de datilografia
Revista Brasileira de Medina do Esporte – vol. 10, n.º6 – nov/dez, 2004, p. 494-499.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

BOAS PROVOCAÇÕES

Entre a tecnologia do mental e a neurociência haveria ainda algo que teria se tornado uma terra de ninguém: a psicologia, que, durante muitos anos, tinha permanecido como reduto privilegiado daqueles que queriam falar sobre mentes. Para os neurocientistas e para os engenheiros do mental a psicologia está vivendo seus últimos dias, estando fadada a desaparecer num futuro próximo, da mesma maneira que a alquimia foi substituída pela química. “Mente” estaria se tornando um conceito absoleto.

Desde seu aparecimento, há 150 anos, a psicologia tem enfrentado uma desorganização teórica profunda. Nas últimas décadas ela se tornou particularmente aguda, ao ponto de filósofos como o austríaco Ludwing Wittgenstein a ironizarem com sentenças bombásticas como “Na psicologia há métodos experimentais e confusão conceitual”. Os psicólogos nunca teriam realmente sabido do que estavam falando ao se referirem a mentes. Nem tampouco os neurocientistas. Desse pântano não parecem ter escapado os tecnólogos da mente nem tampouco os neurocientistas. Quando lemos atentamente seus trabalhos ou visitamos seus laboratórios frequentemente ficamos com a impressão de que muitas vezes aqueles que se envolvem nesse tipo de empreendimento não sabem exatamente o que estão fazendo. É como se tivessem um excelente navio, com uma tripulação altamente qualificada sem, contudo, saber de onde se partiu e para onde se está navegando, correndo o risco de algumas vezes tomar uma ilhota por um continente ou cometendo o erro oposto. O conceito de mente ainda parece constituir o grande ponto cego da investigação cientifica.

Na contramão desse movimento científico encontramos uma forte reação à invasão progressiva da ciência nos últimos redutos do mundo da mente: o misticismo. Com ele busca-se reencontrar algum tipo de reencantamento do mundo, opondo-se à dessacralização e ao processo de naturalização da mente, ou seja, a redução dessa ao substrato químico e biológico do cérebro. Do misticismo desliza-se facilmente para a mistificação. A psicologia não ficou imune a esse tipo de movimento, encontrando-se hoje invadida por doutrinas exóticas dos mais variados tipos.

O desafio que enfrentamos é, então, o de desenvolver um conceito de mente e de sua relação com o cérebro que acomode a possibilidade de uma investigação científica interdisciplinar; uma investigação que concilie nossa própria descrição como cérebros e organismos com nossa descrição como pessoas dotadas de mentes. Não poderíamos resolver esse problema decretando unilateralmente o fim da idéia de mente ou sustentando que essa passará para a lista dos conceitos científicos absoletos, da mesma maneira que o “flogisto” foi substituído pelo oxigênio.


JOÃO DE FERNANDES TEIXEIRA
em Mente, cérebro e cognição
3ª edição – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008
Trechos tirados da introdução da página 12


Este trecho do texto introdutório do livro “Mente, cérebro e cognição” de Teixeira (2008) é uma excelente provocação. Do meu ponto de vista ele traz aspectos críticos relevantes quanto à psicologia, no entanto, exagera ao prever o seu fim. Porque, como ele mesmo aponta, ela é uma ciência que se tornou independente de outros campos do saber muito recentemente e por isso, acredito que ela está ainda se organizando e tem muitas pessoas sérias colaborando para o seu avanço dentro dos princípios científicos.

Outro aspecto que deve ser lembrado é que o objeto da psicologia não é apenas a mente (processos psíquicos), mas também o comportamento.

Logo, todo o enfoque de estudo da mente, realmente, deve ser interdisciplinar e/ou multidisciplinar, pois a filosofia, como já ficou claro em todas as suas investidas quanto ao seu estudo, até hoje não deu conta nem de quebrar alguns paradigmas criados por Platão e Aristóteles referente ao tema e o navio continua a deriva.

LIVROS DA ÁREA DE NEUROCIÊNCIA LIDOS EM 2009/2010

* Psicologia da Percepção - R. H. DAY
* Os Sete Pecados da Memória - como a mente esquece e lembra - DANIEL L. SCHACTER
* Mentes Inquietas - TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade - ANA BEATRIZ BARBOSA SILVA

LIVROS DE LITERATURA LIDOS EM 2009/2010

* Memórias do Subsolo - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* Oráculos de Maio - ADÉLIA PRADO

* No Caminho de Swann - MARCEL PROUST

* Fantasma Sai de Cena - PHILIP ROTH

* Indignação - PHILIP ROTH

* Caim - SARAMAGO

* Recordações da Casa dos Mortos - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* O Seminarista - RUBEM FONSECA

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