segunda-feira, 5 de outubro de 2009

MINHAS TRADUÇÕES

HABILIDADE INTELECTUAL GERAL

Retrocedendo ao trabalho de Spearman (1927), uma distinção tem sido produzida entre as habilidades cognitivas específica e geral. Dois índices usados amplamente no desempenho generalizado da neurocognição têm sido aplicados em pesquisas sobre a esquizofrenia: mensuração do quociente geral de inteligência, ou QI (quociente de inteligência), e combinação dos escores ou perfis derivados das baterias de testes compreendendo múltiplos testes neurocognitivos. Embora ambos forneçam uma mensuração do funcionamento cognitivo global de um indivíduo, os resultados destas avaliações frequentemente não se sobrepõem de forma substancial. Tipicamente, baterias de testes neuropsicológicos foram usadas na avaliação de múltiplas habilidades cognitivas, tais como: memória, funções executivas, atenção, e estes incluem um forte componente de inovação nos requisitos de testagem. Testes de QI, por outro lado, possuem menos ênfase na habilidade específica e de inovação e maior ênfase na avaliação de habilidades cristalizadas (Bratti & Bilder, 2006).

Pacientes esquizofrênicos mostram uma substancial e muito grave disfunção generalizada (tabela 1). A disfunção generalizada no momento em que é indicada pelo QI parece ser de maior consistência do que a indicada por escores combinados neuropsicológicos (tabela 1). A disfunção no desempenho do QI é quase 50% maior do que aquela observada em ralação ao QI verbal (tabela 1). A disfunção na habilidade geral parece ser quase tão grave como a observada nas funções neuropsicológicas específicas, sugerindo que qualquer déficit neuropsicológico específico na esquizofrenia ocorre num contexto de segundo plano de uma disfunção intelectual geral muito grave. Outro interessante achado é a considerável discrepância entre as medidas consideradas como avaliação pré-morbida do funcionamento da inteligência depois do desenvolvimento da doença (tabela 1). Dados obtidos de estudos longitudinais sobre a inteligência de indivíduos durante a infância e adolescência que posteriormente desenvolveram esquizofrenia têm confirmado a presença consistente, ainda que muito leve, de disfunção intelectual durante a infância e a adolescência (M. Cannon et al. 2002; Jones et al. 1994. Reichenberg et al., 2002). Por isso, menores diferenças entre pacientes esquizofrênicos e grupo controle em tais testes podem refletir um aumento no déficit de desempenho geral na presença da doença (Heinrichs & Zakzanis, 1998)

ABRAHAM REICHENBERG e PHILIP D. HARVEY
em Disfunções Neuropsicológica da Esquizofrenia: Integração de Desempenho Baseado em Descobertas com Imagens Cerebrais (Neuropsychological Impairments in Schozophrenia: Integration of Performance-Based and Brain Imaging Findings) .
Psychological Bulletin (2007, vol. 133, n.º 5, 833-858)
American Psychological Association

sábado, 26 de setembro de 2009

ENTREVISTA COM KANDEL

Link: Kandel

MÉMORIA: ENTREVISTA COM ERIC KANDEL

Por Denis Russo Burgierman

Quando, nos anos 60, o psiquiatra Eric Kandel resolveu que ia dedicar seu tempo ao estudo da lesma-do-mar, um molusco tão pegajoso quanto primitivo, seus colegas acharam que ele tinha enlouquecido. Afinal, esse austríaco que migrou para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial jamais tinha manifestado interesse pelo mundo animal. Formado em letras e literatura, além de medicina, ele sempre pareceu mais interessado em desvendar os segredos do homem e, em especial, da mente humana.

Pois foi justamente isso que ele fez nas décadas que passou pesquisando o molusco. No sistema nervoso simples da lesma-do-mar, Kandel identificou os genes e as proteínas que tornam possível a memória nos neurônios. Os mecanismos que ele desvendou são os mesmos que, no cérebro humano, regem as lembranças de curto e longo prazo. Hoje pode-se dizer que quase tudo o que sabemos sobre a base molecular da memória se deve ao molusco e a Kandel.

Não é à toa que ele (Kandel, não o molusco) faturou, em outubro passado, o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia. Nesta entrevista à Super, o pesquisador de 71 anos, hoje trabalhando na Universidade Columbia, em Nova York, falou sobre a química da memória, os remédios do futuro e as incríveis novidades que irão mudar a pedagogia e a psicologia.


Super – Tem um poema que eu sei de cor. Quando eu me lembro dele, alguns versos me vêm na forma de imagens visuais, outras na de cheiros, sensações táteis, sonoras. Outros pedaços me trazem lembranças sentimentais ou me recordam de detalhes como, por exemplo, o de que o papel onde li o poema pela primeira vez era azul. Você pode me dizer onde esse poema está no meu cérebro?
O poema está armazenado em vários lugares diferentes. Conforme você o aprende, você visualiza partes dele – partes que provavelmente serão armazenadas em áreas visuais do cérebro. Outras talvez sejam guardadas em regiões ligadas à linguagem, ou nas que lidam com as emoções. Quando você recita o poema, essas diferentes áreas colaboram umas com as outras para formar uma lembrança. Acreditamos que as mesmas áreas responsáveis pelo processamento das informações cuidem das lembranças dessas informações – as áreas visuais são responsáveis pelas memórias visuais, as táteis pelas lembranças táteis e assim por diante. Não há um único "centro da memória" no cérebro, responsável por armazenar tudo.

E de que forma esse poema está guardado na minha mente?
Em grande parte, na forma de mudanças estruturais nos neurônios. A cada vez que aprendemos algo, formam-se novas ligações entre as células, novas sinapses. Seu poema causa mudanças químicas nos neurônios, induz a produção de novas proteínas, suprime outras.

Como é possível pesquisar a memória humana a partir da lesma-do-mar?
Quando comecei não sabíamos absolutamente nada sobre memória. Achei que seria útil começar do começo e, para estudar o caso mais simples, peguei o animal mais simples. Na aplísia, como chamamos a lesma-do-mar, você tem a vantagem de que há poucas células nervosas interconectadas de forma precisa, de modo que é mais fácil estudá-las.

Há muitas diferenças entre o homem e a lesma-do-mar? Temos muitas estruturas que esses animais não têm, ou dispomos do mesmo arsenal nervoso, apenas mais complexo?
Provavelmente temos alguns recursos que a aplísia não tem. Mas, surpreendentemente, nossas pesquisas estão mostrando que muito da diferença deve-se somente ao número maior de células nervosas e de suas interconexões. Nossos neurônios fazem mais ou menos as mesmas coisas – apenas estão em maior quantidade do que os da aplísia.

Pesquisas como a sua revelaram que muitas células no corpo possuem o mesmo mecanismo químico dos neurônios. Você acha que é possível que células fora do cérebro possuam algum tipo de memória?
Nós definimos memória como um resgate de informação sobre o passado que é expresso no comportamento. Os mesmos mecanismos moleculares podem estar envolvidos em mudanças a longo prazo no fígado ou no rim. Não chamaríamos isso de memória, e sim de mudanças adaptativas. Você levanta uma questão interessante: a de que é perfeitamente possível haver um número enorme de mecanismos moleculares para converter um sinal de curto prazo em um sinal de longo prazo. E que talvez o cérebro se utilize de apenas um deles para produzir memória. Talvez as células dos rins, assim como as do cérebro, sejam capazes de receber informações novas e fazer com que essas informações sejam registradas quimicamente. Dessa forma, elas também seriam capazes de um tipo de "aprendizado".

Você descobriu a proteína CREB-1, responsável por converter lembranças de curto prazo em memórias de longo prazo. A indústria farmacêutica não poderia usar essa proteína para fazer um remédio que nos dê uma supermemória?
Provavelmente não, mas acho que aparecerão drogas nos próximos cinco anos que ajudarão pessoas idosas a melhorar um pouco sua memória. Não acho que haverá drogas que farão de mim ou de você um supermemorioso, mas, em breve, as farmácias venderão "aspirinas para a mente".

Há motivos para acreditar que uma droga da supermemória não seja possível?
Antes de mais nada, não sei se seria desejável. Existem pessoas que possuem supermemória e elas tendem a levar uma vida miserável. Os supermemoriosos se lembram de absolutamente tudo, e todos precisamos esquecer algo. Essas pessoas geralmente são pouco criativas – para ser criativo você precisa de espaço na mente. Se você saturou a cabeça com números de telefones, o nome de todas as pessoas que você já encontrou, o nome das ruas pelas quais passou, fica difícil ter idéias. Os supermemoriosos têm a impressão de que seu cérebro está repleto de lixo. Todas as drogas possuem efeitos colaterais e os efeitos colaterais, nesse caso, podem ser piores do que a doença.

Mesmo se for uma supermemória por apenas uma hora, algo que eu tome antes de uma aula de alemão, por exemplo?
Isso seria uma boa idéia. É teoricamente possível, mas não posso prever algo tão distante.

Sua pesquisa pode mudar a psicologia?
Acho que sim. Aprendi uma quantidade enorme de coisas com a psicologia e tenho um respeito enorme por essa disciplina. Não compartilho do preconceito de vários neurocientistas, que a consideram uma pseudociência. Toda a idéia de estudar a memória é uma construção psicológica. Todo o meu trabalho deriva da psicologia. Mas essa ciência se baseava numa descrição do comportamento, sem o conhecimento do que acontece na cabeça. Termos como memória de curto e longo prazo eram conceitos abstratos e agora estamos descobrindo o substrato anatômico e fisiológico para isso. Estamos colocando a psicologia num nível biológico fundamental e, assim, vamos acabar fundindo as duas disciplinas: neurociência e psicologia serão uma coisa só.

Você tem dito também que essas pesquisas poderiam mudar a educação. Como isso aconteceria?
Por exemplo, descobrimos que o treinamento espaçado é melhor que o treinamento em massa. Ou seja, se você aprender as coisas em pequenos episódios separados absorve mais do que em uma longa sessão. Portanto, precisamos ter aulas curtas e com intervalos regulares. Acho que as pessoas ainda podem descobrir muito sobre os aspectos temporais dos eventos do aprendizado. Podemos entender melhor que parte do ciclo sono/vigília é ideal para o aprendizado, como aprender a associar as coisas, quais os tipos de dicas que facilitam a memorização de um poema. A neurociência nos ensinará uma variedade de técnicas para otimizar o armazenamento de informações no cérebro.

Fonte: http://super.abril.com.br/superarquivo/2001/conteudo_175289.shtml
Revista Super Interessante - Edição 163, abr.2001

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

APONTAMENTOS DA NEUROCIÊNCIA QUANTO À APRENDIZAGEM

A aquisição de novos conhecimentos que trazem como conseqüência uma modulação do comportamento é peculiar à aprendizagem, enquanto que a retenção desse conhecimento implica aspectos da memória. Assim, ambos os processos compartilham mecanismos neurais similares, que igualmente participam do controle da atenção, integração sensorial e percepção.

A memória de procedimentos é resultante do aumento da performance e, proporcionalmente, do incremento da precisão do gesto motor. Pode ser entendida como a habilidade motora ou sensorial que normalmente chamamos de “hábito”, tendo relação com os procedimentos motores responsáveis pela aquisição daquele tipo de memória. O aprendizado gradualmente produz diminuição no erro embutido na tarefa, aumento da coordenação e maior agilidade e velocidade na execução do movimento No modelo tradicional de Donald Hebb são postuladas idéias sobre reverberações sinápticas, ou seja, seqüências de cadeias neuronais são formadas a partir da aprendizagem. Tais cadeias representam informações distintas distribuídas ao longo do córtex, responsáveis por mecanismos de habituação, retenção de memória e recuperação de lesões (neuroplasticidade).

A banda de freqüência alfa vem sendo correlacionada a processos cognitivos, particularmente alfa rápido (10 e 12Hz). Parece que essa freqüência se modifica em face da exposição do sujeito a tarefas cognitivas dos mais diferentes níveis de complexidade. Beta é considerada uma freqüência de onda rápida (12 a 30Hz) e parece ser a que está mais relacionada com atividades motoras, tanto pré-motoras como motoras propriamente ditas. Tal freqüência tem considerável valor para as análises relativas aos movimentos normais e patológicos. A banda de freqüência teta está associada a processos de automatismo e atenção, sendo correlacionada diretamente aos mecanismos de potencialização de longa duração e depressão de longa duração que fundamentam bioquimicamente o aprendizado.


VICTOR HUGO BASTOS et. al.
em Análise da distribuição de potência cortical em função do aprendizado de datilografia
Revista Brasileira de Medina do Esporte – vol. 10, n.º6 – nov/dez, 2004, p. 494-499.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

BOAS PROVOCAÇÕES

Entre a tecnologia do mental e a neurociência haveria ainda algo que teria se tornado uma terra de ninguém: a psicologia, que, durante muitos anos, tinha permanecido como reduto privilegiado daqueles que queriam falar sobre mentes. Para os neurocientistas e para os engenheiros do mental a psicologia está vivendo seus últimos dias, estando fadada a desaparecer num futuro próximo, da mesma maneira que a alquimia foi substituída pela química. “Mente” estaria se tornando um conceito absoleto.

Desde seu aparecimento, há 150 anos, a psicologia tem enfrentado uma desorganização teórica profunda. Nas últimas décadas ela se tornou particularmente aguda, ao ponto de filósofos como o austríaco Ludwing Wittgenstein a ironizarem com sentenças bombásticas como “Na psicologia há métodos experimentais e confusão conceitual”. Os psicólogos nunca teriam realmente sabido do que estavam falando ao se referirem a mentes. Nem tampouco os neurocientistas. Desse pântano não parecem ter escapado os tecnólogos da mente nem tampouco os neurocientistas. Quando lemos atentamente seus trabalhos ou visitamos seus laboratórios frequentemente ficamos com a impressão de que muitas vezes aqueles que se envolvem nesse tipo de empreendimento não sabem exatamente o que estão fazendo. É como se tivessem um excelente navio, com uma tripulação altamente qualificada sem, contudo, saber de onde se partiu e para onde se está navegando, correndo o risco de algumas vezes tomar uma ilhota por um continente ou cometendo o erro oposto. O conceito de mente ainda parece constituir o grande ponto cego da investigação cientifica.

Na contramão desse movimento científico encontramos uma forte reação à invasão progressiva da ciência nos últimos redutos do mundo da mente: o misticismo. Com ele busca-se reencontrar algum tipo de reencantamento do mundo, opondo-se à dessacralização e ao processo de naturalização da mente, ou seja, a redução dessa ao substrato químico e biológico do cérebro. Do misticismo desliza-se facilmente para a mistificação. A psicologia não ficou imune a esse tipo de movimento, encontrando-se hoje invadida por doutrinas exóticas dos mais variados tipos.

O desafio que enfrentamos é, então, o de desenvolver um conceito de mente e de sua relação com o cérebro que acomode a possibilidade de uma investigação científica interdisciplinar; uma investigação que concilie nossa própria descrição como cérebros e organismos com nossa descrição como pessoas dotadas de mentes. Não poderíamos resolver esse problema decretando unilateralmente o fim da idéia de mente ou sustentando que essa passará para a lista dos conceitos científicos absoletos, da mesma maneira que o “flogisto” foi substituído pelo oxigênio.


JOÃO DE FERNANDES TEIXEIRA
em Mente, cérebro e cognição
3ª edição – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008
Trechos tirados da introdução da página 12


Este trecho do texto introdutório do livro “Mente, cérebro e cognição” de Teixeira (2008) é uma excelente provocação. Do meu ponto de vista ele traz aspectos críticos relevantes quanto à psicologia, no entanto, exagera ao prever o seu fim. Porque, como ele mesmo aponta, ela é uma ciência que se tornou independente de outros campos do saber muito recentemente e por isso, acredito que ela está ainda se organizando e tem muitas pessoas sérias colaborando para o seu avanço dentro dos princípios científicos.

Outro aspecto que deve ser lembrado é que o objeto da psicologia não é apenas a mente (processos psíquicos), mas também o comportamento.

Logo, todo o enfoque de estudo da mente, realmente, deve ser interdisciplinar e/ou multidisciplinar, pois a filosofia, como já ficou claro em todas as suas investidas quanto ao seu estudo, até hoje não deu conta nem de quebrar alguns paradigmas criados por Platão e Aristóteles referente ao tema e o navio continua a deriva.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

KORBINIAN BRODMANN


As áreas de Brodmann foram definidas pelo neurologista Korbinian Brodmann, em seu livro “Vergleichende Lokalisationslehre der Grosshirnrinde in ihren Prinzipien dargestellt auf Grund des Zellenbaues”, de 1909. Essas áreas constituem a base para a localização funcional no córtex cerebral.

Para a demarcação dessas áreas, Brodmann utilizou-se como critério a organização dos neurônios no córtex cerebral, em que eram visualizados por meio da técnica de coloração de Nissl.

As áreas de Brodmann tem sido discutidas, refinadas e renomeadas exaustivamente durante quase um século, e continuam a ser as mais conhecidas e citadas na citoarquitetura da organização do córtex humano. Portanto, essas áreas definidas por Brodmann, baseando-se simplesmente na organização neural, são ainda utilizadas para designar regiões corticais funcionais.

Como resultado, segundo aponta Machado (2000, p. 261), a existência de localizações funcionais e o seu estudo têm grande importância na compreensão do funcionamento do cérebro.

As áreas funcionais do córtex, de maneira bem esquemática, foram divididas em área de projeção e de associação. No caso das áreas de projeções “são as que recebem ou dão origem as fibras relacionadas diretamente com a sensibilidade e com a motricidade” (MACHADO, 2000. p. 263), e as restantes seriam as áreas de associações que, segundo o autor citado, estão relacionadas com as funções psíquicas complexas. Portanto, quando há lesões nas áreas de projeções, essas podem causar paralisias e alterações na sensibilidade, enquanto que, quando ocorrem lesões na área de associação a parte motora e sensitiva não é afetada, mas podem ocorrer alterações psíquicas.

Com a contribuição do neuropsicólogo russo Alexandre R. Luria que, segundo Machado (2000, p. 263), propôs uma divisão funcional do córtex baseada no seu grau de afinidade com a motricidade e com a sensibilidade, abriu-se caminho para entender melhor as conexões do funcionamento cerebral. Desta maneira, as áreas de projeções, ligadas à motricidade e à sensibilidade, passaram a ser consideradas por esse neuropsicólogo de áreas primárias, e as áreas de associações foram subdivididas em secundárias (unimodais) e terciárias (supramodais). Essa subdivisão deveu-se a dois motivos. O primeiro, por perceber que existiam funções, ainda que indiretamente, sensoriais e motoras nas áreas de associações, desta forma, passou a denominar estas áreas de secundárias ou unimodais. Segundo, que as áreas terciárias ou supramodais, não se ocupavam de nenhum processamento motor ou sensitivo, mas estavam envolvidas com atividades psíquicas superiores como a memória, os processos simbólicos e o pensamento abstrato.

Dado o exposto, conforme Gil (2007, p. 7), dependendo da região do cérebro a morfologia e a densidade celular das camadas variam, e foi esses critérios arquitetônicos que permitiram a Brodmann mapear as áreas corticais numeradas de 1 à 52. Essas áreas podem ser agrupadas em três tipos mais abrangentes: córtex agranular, com ausência da camada 4 e uma profusão de células piramidais (áreas 4 e 6), córtex hipergranular com uma camada granular desenvolvida e muitas células (áreas sensitivas e sensoriais) e córtex eulaminado, com um equilíbrio entre as seis camadas (áreas associativas).


GIL, Roger. Neuropsicologia. Tradução: Maria Alice Araripe de Sampaio Doria. 2º ed. Editora Livraria Santos: São Paulo. 2007.

MACHADO, Ângelo B. M. Neuroanatomia funcional. 2.º ed. Ed. Atheneu: São Paulo. 2000

terça-feira, 25 de agosto de 2009

CIÊNCIAS DO CÉREBRO: RESUMO DO CAPITULO – O ESPIRITO DENTRO DA MÁQUINA


As pessoas com transtorno fronteiriço de personalidade sofrem também de impulsividade, um dos sintomas da doença. Atualmente, há alguns indícios iniciais que ligam a impulsividade a um mau funcionamento na parte mais dianteira do cérebro (o lobo frontal), impedindo a ação das inibições.

A abordagem que consiste no mapeamento das funções cerebrais, ligando-as a regiões específicas do cérebro, forma a base da neurologia, o campo das especialidades médicas que trata das doenças do sistema nervoso. Há cem anos se descobriu muitas coisas sobre o seu funcionamento. Sabia-se, por exemplo, descrever detalhadamente os locais no cérebro que controlavam os movimentos dos membros do corpo e do rosto. Sabia-se também que esses locais estavam organizados no cérebro numa espécie de “mapa” que representa o corpo. Conheciam-se os circuitos nervosos que levavam dos olhos à região cerebral que decodifica o que vemos, e também as regiões no lado esquerdo do cérebro responsáveis pela fala e pela compreensão do que ouvimos e lemos.

Mas, quanto à parte das funções cerebrais que se costuma chamar de superiores – como o pensamento abstrato, a memória, os sentimentos, o comportamento social e os estados de espíritos –, os indícios se contradiziam quanto a sua localização, e até quarenta anos atrás os pesquisadores não tinham muitas esperanças de vir a localizá-las algum dia. Essas funções superiores, das quais tratam a psicologia e a psiquiatria, são as que nos interessam aqui, no caso específico a impulsividade. Pânico, depressão, distorções da imagem corporal e da auto-imagem, obsessões, impulsividade violenta, tudo isso deriva de problemas nas funções superiores do sistema nervoso central.

Atrás da expressão sistema nervoso central, encontram os seguintes componentes: o cérebro e a medula. Esta última, na verdade, é um grosso cabo de conexão dentro do qual existe um conjunto de circuitos nervosos que transportam estímulos sensórios do corpo para o cérebro, e instruções do cérebro para a atividade muscular do corpo. O cérebro é composto de dois hemisférios não simétricos em seu funcionamento. Numa generalização é possível dizer que o hemisfério esquerdo sabe ler e falar, enquanto o direito entende sentimentos e nuances não-verbais. O hemisfério esquerdo está geralmente alegre, e o direto, triste. Cada hemisfério se divide em quatro lobos (lobo frontal, lobo temporal, lobo parietal e lobo occipital), e cada um desses lobos tem funções especificas. De um modo geral, é possível dizer que o lobo occipital vê, o lobo temporal ouve, o lobo parietal dá coerência e coordena todas as informações sensoriais que chegam ao cérebro, e o lobo frontal é, aparentemente, parte do que torna o homem “humano” – é onde se localizam as capacidades de planejamento a longo prazo, da autoconsciência e da consciência social, do pensamento abstrato e do controle dos impulsos, além do controle de todos os músculos do corpo. Esses quatro lobos constituem, em conjunto, o córtex cerebral, cujos sulcos retorcidos lhe dão seu aspecto característico.

Sabe-se hoje, que a maioria dos distúrbios psicológicos está ligada a perturbações específicas no funcionamento do cérebro. Mas, ao contrário dos distúrbios que tratam os neurologistas, a maioria dos problemas enfrentados por psicólogos e psiquiatras não são provocados por “furos” ou outras lesões anatômicas. Ocorrem devido a ligeiras modificações no funcionamento das partes cerebrais.

A influência da destruição total de alguma parte do cérebro por doença ou acidente parece por vezes a que exerce uma perturbação no seu funcionamento.

A consideração social e o controle da impulsividade não são fenômenos que se processam inteiramente na parte dianteira e interna do lobo frontal. Essa região do cérebro é parte de um circuito do qual fazem parte outras áreas, e ela é a responsável pelo seu funcionamento. Uma lesão neste local quebra o circuito, e desse modo impede o autocontrole.

Mas onde passa a fronteira entre uma falha no funcionamento cerebral e uma falta de caráter? Não seriam ambas as coisas as duas faces de uma mesma moeda? Essas perguntas pertencem ao campo da neuropsicologia, que investiga as ligações entre as lesões cerebrais e os distúrbios psíquicos.

A neuropsicologia surgiu como uma obra de um único homem, o psicólogo russo Aleksander Romanovitch Luria.

Os pacientes de Luria sofriam de derrames cerebrais, de tumores ou de traumatismos cranianos graves. Todos esses fatores provocam danos localizados em algum ponto do cérebro. Com base nos métodos investigativos e neurológico clássicos, utilizados por ele, e seu contato com centenas e talvez milhares de pacientes, Luria formou uma imagem complexa das funções cerebrais e de seus vínculos com o psiquismo. O seu objetivo era vincular estruturas psicológicas a estruturas cerebrais. Em outras palavras, o modelo de Luria e Solms procura mapear a alma e suas regiões, conforme as conhecem os psicólogos, vinculando-as ao cérebro e suas partes segundo o conhecimento neurológico. Por essa abordagem geográfica é possível descrever no cérebro três partes, casa uma com suas características e suas funções: a área da recepção; a instintiva; e a área diretora.

A área da recepção processa as informações e as memoriza. É composta por todas as partes posteriores do córtex cerebral, e pela maior parte do sistema límbico, constituído pelo hipocampo, pelos núcleos da amígdala e por outros componentes localizados no interior do cérebro. Essas duas grandes partes recebem informações de duas fontes diversas: tudo aquilo que vem de fora – ou seja, tudo o que vemos, ouvimos e tocamos – chega à região posterior do córtex cerebral e lá é processado. É possível dizer, do mesmo modo como o córtex posterior capta o mundo externo a nossa volta, o sistema límbico é receptor do que se passa em nosso interior. Ao longo do desenvolvimento humano são criadas e aperfeiçoadas as ligações entre as várias partes que integram o sistema receptor. É desse modo que se formam as associações entre imagens, sons, cheiros e sensações, e também as associações entre as imagens de certos seres humanos e as sensações que esses nos provocam. E assim, aos poucos, a profusão de estímulos que nos atingem sem cessar começa a adquirir um sentido específico para cada um de nós.

Os dois hemisférios cerebrais diferem quanto às funções, principalmente naquelas áreas que se ligam a mais de um órgão dos sentidos (olhos, ouvidos) e integram informações provenientes de várias fontes sensórias. Os hemisférios não diferem apenas no aspecto funcional – são também regidos por leis diferentes. Uma grande área do hemisfério direito processa imagens e memórias do mundo como uma coleção de objetos inteiros. Todas as informações sobre cada objeto desses se aglomeram numa figura inteira e única do objeto, ao qual é atribuída, às vezes, também um significado emocional. Essas operações são realizadas no lado direito do cérebro, rápida e paralelamente.

No hemisfério esquerdo o mundo é captado não como uma série de objetos no espaço, mas como uma cadeia organizada de símbolos e palavras. As palavras são símbolos simples de objetos complexos, que fazem o pensamento por meio de palavras ser veloz e eficiente. Lesões nesse hemisfério podem provocar afasia, que consiste na perda da capacidade de falar ou de compreender falas ou textos escritos. O hemisfério direito não processa símbolos e sim objetos, e por esse motivo ele é mais intuitivo que o esquerdo.

A área instintiva do cérebro é a segunda das três partes, segundo Luria e Solms. É uma região muito pequena, mas suas influências têm longo alcance, chegando a todos os lugares no cérebro, no corpo e no psiquismo. Compõe-se de partes do tronco cerebral e do hipotálamo. Essa região é a responsável pelo nosso estado de espírito: vivacidade ou cansaço, fome e sede, desejo sexual ou saciedade, iniciativa e energia ou indiferença. Ou seja, nessa pequena região do cérebro residem os impulsos. É nela que se originam os instintos, os desejos e os impulsos que tão frequentemente nos dominam. Uma parte do processo de amadurecimento, na adolescência, consiste no domínio gradual e parcial sobre essa parte. O adulto, ao contrário do bebê, nem sempre faz o que tem vontade. Faz apenas o que é possível ou o que vale a pena ser feito, levando em conta o que há à sua volta e aquilo que é permitido ou proibido naquele momento.

A região diretora, a terceira região no modelo de Luria e Solms, é aquela que sofreu o impacto direto e localizado no cérebro de Phineas Gage (personagem clássico da literatura médica que sofreu um acidente em que teve a parte inferior dos lobos frontais perfurada por uma barra de ferro). Essa parte contém os dois lobos frontais inteiros, tanto o direito quanto o esquerdo. Sua função psíquica é coordenar, averiguar e controlar tudo o que fazemos. Diferente da região posterior do cérebro, que enxerga o mundo como um conjunto de objeto ou símbolos percebidos simultânea e paralelamente, a região anterior ou frontal vê o mundo como uma sucessão de acontecimentos na qual existe uma diferença entre o antes e o depois. Numa generalização aproximada, podemos dizer que a região cerebral posterior se orienta no espaço e que a região anterior se orienta no tempo. Como é sabido, Phineas Gage perdeu a capacidade de planejar o futuro de modo racional, e talvez tenha passado a ter dificuldades até mesmo de imaginá-lo. Sua capacidade de prever as conseqüências sociais de seus atos também ficou prejudicada. Essas dificuldades, aparentemente, estavam ligadas à lesão naquela área específica dos seus lobos frontais.

Além de tudo isso, uma das importantes funções dos lobos frontais é por rédeas à atividade dos demais componentes do cérebro, entre eles, a área instintiva onde residem os impulsos.

Nos últimos anos foram publicados, na literatura profissional, duas pesquisas que utilizaram a visualização funcional do cérebro para investigar a atividade cerebral de homens e mulheres com transtorno fronteiriço da personalidade, comparando-a com a atividade cerebral de pessoas “normais”. As duas pesquisas chegaram a conclusões parecidas: os que sofrem do transtorno fronteiriço da personalidade sofrem também de um déficit específico da atividade na parte dianteira central dos seus lobos frontais.

A maioria dos que sofrem desse distúrbio, é capaz de, em certos momentos, explodir com alguém. Mas sua impulsividade e sua violência, que talvez tenham origem no mau funcionamento de seus lobos frontais, são muito mais perigosas para ela mesma.

A pesquisa do psicólogo Adrian Rain, com a amostra de uns vinte assassinos, com características impulsivas, condenados pela justiça à pena de morte, e que foram submetidos a exames de visualização funcional e juntamente com um grupo controle, concluiu que quase todos os assassinos impulsivos apresentavam graves perturbações na atividade dos lobos frontais, exatamente na mesma região que tinha sido eliminada do cérebro de Phineas Gage.

Uma das características do transtorno fronteiriço de personalidade é entrada do paciente, rapidamente, numa situação de perda de controle quase total, e com a mesma velocidade sair dela e voltar a agir normalmente.

A psicoterapia quando bem sucedida, muda não só a alma e o comportamento, mas também o cérebro.

Nos últimos anos acumularam-se muitos indícios de que lesões localizadas na parte dianteira e média dos lobos frontais podem levar a comportamentos impulsivos. Nem todos os casos são tão dramáticos como o de Phineas Gage.

Quando o temperamento de uma pessoa muda depois de um acidente em que ocorreu uma leve pancada na cabeça, há duas possibilidades para entender o que aconteceu. Uma delas é que surgiu uma angústia pós-traumática em razão do acidente, pois ela pode aparecer depois de uma episódio em que há risco de vida, manifestado-se por meio de raiva e impulsividade. A outra possibilidade é a de que o acidente tenha provocado uma pequena lesão na parte dianteira dos lobos frontais. Isso pode acontecer quando, num acidente, a cabeça é projetada para a frente e bate em alguma coisa. Nem sempre é fácil distinguir entre essas duas possibilidades, e as vezes ocorrem ambas. O fato de a tomografia não indicar lesão cerebral não exclui a possibilidade de algum dano ligeiro, a ponto de não ser detectado pelo exame mas que, ainda assim, influencie o comportamento.

Logo, fazendo uma retrospectiva na evolução das neurociências podemos afirmar que temos uma dívida de gratidão para com Phineas Gage e John Harlow (o médico que o atendeu e relatou o caso), que nos ajudaram a entender como um dos aspectos da nossa alma está ligado ao cérebro.


YORAM YOVELL
em O inimigo no meu quarto e outras histórias da psicanálise
Capitulo: O espírito dentro da máquina (anatomia da alma) p. 357-380
Rio de Janeiro: Record, 2008

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

DIFERENÇA NO CÉREBRO FAZ COM QUE ESQUIZOFRÊNICOS OUÇAM VOZES

Uma diferença anatômica no cérebro, que pode surgir durante o terceiro trimestre da gravidez, explicaria por que certos pacientes esquizofrênicos ouvem vozes em sua cabeça e outras vozes provenientes do exterior.

A esquizofrenia afeta um 1% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). As alucinações auditivas verbais, ou seja, a percepção de vozes, é um dos sintomas frequentes, já que 70% dos pacientes esquizofrênicos padecem disso, segundo um trabalho conjunto de um laboratório da Comissão de Energia Atômica francesa e a Assistência Pública dos Hospitais de Paris.

Depois de demonstrar, há um ano, este fenômeno vinculado às anomalias anatômicas no conjunto das regiões do cérebro envolvidas na linguagem, uma equipe de pesquisadores do laboratório CEA-Inserm e de psiquiatras hospitalares quis compreender por que a percepção de vozes difere de um caso para outro, explicou Arnaud Cachia, do Serviço Hospitalar Frederic Joliot, associado ao CEA-Inserm, em Orsay.

Existem dois tipos de alucinações auditivas na esquizofrenia: o tipo em que os pacientes ouvem vozes em sua cabeça e o tipo em que essas vozes são exteriores.

Na comparação feita graças a imagens de ressonância magnética (IRM), a anatomia do cérebro das pessoas que não sofrem dessa doença e as dos dois grupos de pacientes esquizofrênicos (12 que ouvem apenas vozes externas e 15 que ouvem as internas), os pesquisadores evidenciaram uma diferença na região envolvida na localização espacial do som (córtex temporoparietal do hemisfério direito do cérebro).

Os cientistas descobriram uma anomalia que diz respeito à união entre os dois surcos do córtex: o sulco temporal superior e o sulco angular. Em comparação com indivíduos saudáveis, a união está deslocada para frente do cérebro dos pacientes que ouvem vozes externas e, ao contrário, na parte de trás do cérebro para os que ouvem vozes internas a sua cabeça, segundo o estudo que foi publicado pela revista "Schizophrenia Bulletin".

Esta diferença pode, segundo os autores do estudo, indicar a existência de "desvios na maturação do cérebro" durante o terceiro trimestre da gravidez, quando estes dois surcos aparecem e depois se conectam.

"Se um fenômeno tão subjetivo e íntimo como a localização das vozes se traduz por uma diferença na anatomia do cérebro, esse é um argumento adicional para deixar de estigmatizar os pacientes afetados por esta doença que ainda é pouco conhecida".


em Uol Ciência e Saúde
fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/afp/2009/08/20/ult4430u765.jhtm
Publicado em 20/08/2009 - 13h05
acessado em 20/08/09

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

PSICOLOGIA FISIÓLOGICA - RESUMO DA INTRODUÇÃO


A psicologia fisiológica pode ser definida como o estudo das bases fisiológicas do comportamento humano e animal. Hoje, é primordialmente uma ciência fundamental ou pura, que procura compreender os eventos fisiológicos subjacentes ao comportamento.

Os eventos somáticos ocorrem em dois sistemas gerais: o mecanismo da resposta e o meio interno. O mecanismo da resposta inclui os órgãos dos sentidos, os nervos, o sistema nervoso e os diversos músculos e glândulas que são utilizados quando um organismo emite uma resposta, O meio interno, por outro lado, é um complexo de substâncias – substâncias alimentícias, secreções de glândulas, produtos metabólicos das funções somáticas – que circulam no sangue e na linfa e constituem um meio essencialmente químico para o sistema nervoso e para outros órgãos do corpo.

O que se diz do mecanismo da resposta é, em parte, anatômico e, em parte fisiológico. A fim de compreender a função, deve-se compreender primeiramente as estruturas em que ela ocorre. Por isso, a fisiologia e a anatomia andam de mãos dadas.

Os fenômenos sensoriais, no livro, foram divididos em quatro classes principais: intensidade, qualidade, espaço e tempo. Conhece-se relativamente pouco sobre a percepção de tempo, pelo menos do ponto de vista da fisiologia e, por isso, a ênfase foi dada para os outros três aspectos dos fenômenos sensoriais.

Os atributo sensorial de intensidade são, por exemplo, uma luz se apresenta forte ou fraca; um som, alto ou baixo, ou uma dor que pode ser fraca ou intensa. A experiência de vários estímulos tem também uma qualidade. A luz pode ser verde ou vermelha, ouvirmos sons agudos ou graves, e sentirmos uma alfinetada no braço como uma dor ou, simplesmente, uma pressão. Estas são todas diferenças qualitativas, Em terceiro lugar, os objetos apresentam aspectos espaciais. Os objetos visuais, por exemplo, têm forma, tamanho, distância e localização, todos aspectos espaciais. Mesmo os sons parecem grandes ou pequenos, próximos ou afastados; e a maioria dos estímulos que são detectados pelos sentidos cutâneos tem certo tamanho ou forma. Em cada um destes casos nos permitem perceber os atributos de uma maneira particular.

O estudo das funções motoras efetuado pelos fisiologistas e psicólogos trata de atividades como a postura, o equilíbrio, os reflexos, a coordenação e a execução dos movimentos. As bases fisiológicas destas atividades são, em geral, bem compreendidas.

Um aspecto interessante apontado no livro é em relação a emoção. Segundo o autor a emoção envolve atividades motoras da musculatura esquelética e dos efetores autonômicos, como o coração, os vasos sanguíneos e as glândulas.

O autor também aponta que a atenção é muitas vezes associada a percepção; mas para ele, o que se conhece dela, do ponto de vista fisiológico, está muito mais próximo do sono e da atividade.

Os mecanismos fisiológicos da fome e da sede, do comportamento sexual e do comportamento instintivo não são apenas respostas ao estímulo, mas são “provocados” por alguma premência ou ímpeto existente dentro do organismo.

No passado, muitos psicólogos e fisiologistas pensavam que os impulsos eram estímulos internos. Às vezes, os impulsos começam no meio interno e este meio, por sua vez, afeta órgãos do corpo. Podem excitar receptores como os do estômago, do coração, dos vasos sanguíneos, e estes podem eliciar experiências e respostas. Ou o meio interno pode excitar diretamente, ou senão, sensibilizar o sistema nervoso de modo que o comportamento motivado possa ser emitido ou eliciado pelos estímulos que de outra forma não teriam efeito sobre o organismo. Há muitos fatores fisiológicos em ação na motivação.

Em relação a aprendizagem e a memória depara-se com dois problemas intimamente relacionados. Um deles é o da localização da função. Estarão os diferentes tipos de aprendizagem e memória localizados em áreas particulares do sistema nervoso? O autor afirma que até certo ponto sim, mas não se pode identificar esse local. O segundo problema pode ser chamado de recuperação da função. Está envolvido não somente nas funções motoras, mas também na aprendizagem. Quando uma pessoa fica paralítica, por exemplo, por causa de um derrame (devido ao rompimento dum vaso sanguíneo do cérebro), ela, geralmente, melhora com o decorrer do tempo, de modo que, meses depois do trauma, apresenta uma considerável recuperação. Da mesma forma, os organismos, às vezes, esquecem certas lembranças e hábitos depois de uma lesão do cérebro, mas geralmente recobrem hábitos ou podem reaprendê-los se o ferimento não foi muito grave.

Também não pode deixar de abordar que falar sobre os eventos fisiológicos subjacentes ao comportamento é tratar sobre o problema das relações entre mente-corpo. Os fundadores das religiões, os filósofos e quase todos os intelectuais do passado tiveram algo a dizer a respeito disso. Algumas de suas crenças eram bem fundadas; outras, não. Por exemplo, a noção de que os doentes mentais eram “possessos do demônio”, de que o cérebro era uma maquina de refrigerar sangue, ou de que a alma está localizada na glândula pineal, foram idéias cultivadas outrora, mas que não resistiram ao avanço das ciências. O problema mente-corpo, contudo, foi sendo levado para o campo científico e tirado do domínio da filosofia. Há afirmações sustentadas constantemente por filósofos ou incluídas em dogmas religiosos, a respeito das quais a ciência nada tem a dizer. A ciência não tem nada a dizer sobre a existência ou não da alma. Assim mesmo, a ciência pode compreender como certos aspectos da vida mental são manifestações de processos fisiológicos subjacentes.

Outra forma possível de tratar o problema mente-corpo é o da experiência clínica com doentes. Diante disso, os médicos fizeram suas proposições que podem ser classificadas nos casos em que os eventos mentais causam um distúrbio somático. De onde saiu a psicossomática. Um ramo da medicina clínica que não é uma ciência básica. Outro enfoque clínico do problema mente-corpo é como os distúrbios somáticos afetam as funções mentais e o comportamento? As lesões cerebrais e distúrbios nas glândulas são as duas principais áreas em que se pode observar essa relação. Os neurologistas clínicos tratam das lesões do cérebro, e os especialistas em medicina interna voltam-se para as desordens de natureza glandular.

Entretanto, informações oriundas da experiência clínica apresentam suas limitações. Em primeiro lugar, o clínico nem sempre tem certeza do que ocorre com o seu paciente. Ele pode pensar que o paciente tem um tumor cerebral quando, na realidade, tem uma infecção; ou que o tumor é pequeno quando, realmente, é grande. Posto que nem sempre é possível ter certeza daquilo que, nas funções somáticas, estaria provocando uma diferença no comportamento. Em segundo lugar, não se pode em geral empregar aquilo que o cientista experimental denomina de “controles”, isto é, observar o comportamento do paciente quando ainda normal, e assim nem sempre se pode determinar com certeza se a doença física é a causa do que parece ser um distúrbio comportamental. Em terceiro lugar, não é possível aprender aquilo que se quer saber exatamente quando se quer. As pessoas adoecem quando a natureza decide e, muitas vezes não tem aquele tipo de doença quando se poderia fazer dele um bom uso para responder a questões cientificas. Por estas e semelhantes razões, o material clínico não presta grande auxílio à compreensão dos mecanismos fisiológicos do comportamento.

No método experimental os pesquisadores descobrem porque experimentam. Podem estabelecer exatamente as condições que querem para conduzir os testes e descobrir o que existe atrás do “se”. Os experimentos no campo da psicologia fisiológica não são tão claros e diretos como nas ciências naturais. Porém, são experimentos e respondem às questões colocadas e, por meio deles, realizam-se progressos constantes.

Uma outra desvantagem da psicologia fisiológica, mais do que de qualquer outro ramo da psicologia, é o fato de os experimentos não poderem, em geral, ser feitos com pessoas. Não é recomendável empregar nelas drogas e hormônios, e não é possível remover à vontade as diversas glândulas ou porções do sistema nervoso. Os pesquisadores devem, portanto, arranjar-se da melhor maneira possível com animais e não com seres humanos.

A ciência experimental é um processo em que o “bom” cientista se abandona e a uma mistura equilibrada de experimentos e hipóteses. No final, os experimentos é que são importantes e os fatos é que são verdadeiros e as hipóteses são apenas meios para conseguir um fim.

CLIFFORD T. MORGAN
em Psicologia Fisiológica
Coleção ciências do comportamento
Editora da Universidade de São Paulo/EPU.
São Paulo. 1973. p. 1-10

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

AS NEUROCIÊNCIAS COGNITIVAS - BREVE RESUMO DO CAPÍTULO I


O livro de Nicole Fiori, As Neurociências Cognitivas, faz a abordagem das funções mentais superiores (cognitivas) do ponto de vista do funcionamento do cérebro.

Segundo Fiori (2008), as neurociências se relacionam com a ciência dos neurônios, do sistema nervoso. Ela divide as neurociências em três estágios, elencados por ordem de complexidade: primeiro, o estágio mais elementar do funcionamento do cérebro é o das moléculas que permitem aos neurônios comunicar-se entre si; fala-se então de neurobiologia molecular ou neurociências moleculares. Segundo, o estágio da célula, no caso específico do cérebro, isso nos remete ao neurônio, mas também as células gliais; trata-se neste caso da neurobiologia ou de neurociências celulares. E por último o estágio permeado pela integração. Neste caso, os neurônios são organizados em redes complexas que formam sistemas integrados como, por exemplo, o sistema visual; o termo relacionado é o de neurociências integradas (neurociências integrativas)

Desta forma, as neurociências cognitivas estudam os mecanismos dos sistemas neurais mais complexos associados das funções mentais superiores (linguagem, memória, atenção... mas também consciência, representações mentais...).

Pode-se então questionar acerca do que diferencia as neurociências cognitivas da neuropsicologia. Bom, a neuropsicologia relaciona-se ao estudo das funções mentais superiores em conjunto com as estruturas cerebrais, o seu objeto de estudo é o paciente cérebro-lesado. Enquanto, as neurociências cognitivas utilizam naturalmente os dados coletados em animais e, no homem, os dados obtidos pela aplicação dos métodos de imageria cerebral (sem negligenciar os métodos derivados do estudo de pacientes cérebros-lesados)

Outro termo similar às neurociências cognitivas é a psicofisiologia, que etimologicamente é o estudo das bases fisiológicas do psiquismo. No entanto, ela trata do comportamento animal em seu ambiente – o homem sendo visto como um animal particular.

Com relação aos métodos utilizados pelas neurociências, eles vão dos ensaios in vitro praticados em neurobiologia celular ou molecular até os de imageria cerebral praticado em neurociências cognitivas. Entre esses dois extremos, encontra-se a estimulação ou a listagem [levantamento] da atividade elétrica de alguns neurônios de uma estrutura cerebral através de microeletrodos implantados no cérebro do animal, muito utilizado pelos neurofisiologistas. Há ainda a autópsia post mortem dos neuroanatomistas.

A psicologia elabora, com os métodos experimentais que lhe são próprios, os modelos de funcionamento cognitivo que geralmente são a base das pesquisas em neurociências cognitivas. O estudo do funcionamento cerebral permite então confirmar, inferir, enriquecer esses modelos.

Entretanto, mesmo que as neurociências (e outras) tenham se dado por tarefa desvendar as funções mentais e tentem determinar seu suporte material, o mistério da formação do pensamento no homem esta longe de ser elucidado, sendo essa a razão pela qual alguns pensadores continuam a conceber o pensamento em termos imateriais. Mas, recente introdução de conceitos, com a cognição, a psicologia cognitiva, as neurociências cognitivas, marca uma nova abordagem do pensamento em conjunto com suas bases cerebrais.

Além de que o surgimento de métodos de imageria cerebral constitui uma verdadeira revolução para o conhecimento em matéria de anatomia do cérebro durante a realização de tarefas cognitivas. A complementariedade dos dados e modelos da psicologia cognitiva e dos dados fornecidos pelo método de imageria cerebral funcional permitirá, sem nenhuma dúvida, o avanço a passos largos nos próximos anos.

Um exemplo é o estudo da esquizofrenia, que atualmente é objeto de inúmeros estudos em imageria cerebral que mostram uma disfunção do lobo frontal traduzida pela menor atividade frontal às custas de uma hiperatividade temporal e que sugere uma falha de conexões entre diversas regiões corticais e subcorticais.


NICOLE FIORI
em As neurociências Cognitivas
Capitulo: As neurociências cognitivas
Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 2008. p. 11-20

sábado, 15 de agosto de 2009

CONCEPÇÕES NEUROCIÊNTIFICAS NA LITERATURA


"O homem é um composto de moléculas e corpos químicos; quem os souber reunir tem alcançado tudo".


Machado de Assis
em Migalhas de Machado de Assis
Organização e seleção de Miguel Matos.
São Paulo, 2008, fragmento: 638

segunda-feira, 6 de julho de 2009

MINHAS TRADUÇÕES

O FUNCIONAMENTO NEUROPSICOLÓGICO NA ESQUIZOFRÊNIA

Na primeira sessão deste artigo, nós vamos revisar os estudos sobre o funcionamento neuropsicológico na esquizofrenia. Nós vamos definir cada área de habilidade cognitiva e descrever o grau de disfunção encontrado em estudos com pacientes esquizofrênicos. Para objetivos descritivos, nós adotamos a convenção proposta por Cohen (1998) e aplicamos em estudos meta-analíticos de que o funcionamento cognitivo (a) é dentro dos limites normais se o grau de desempenho estiverem dentro de um quinto de um desvio-padrão dos padrões normativos, (b) é ligeiramente atenuada a disfunção se a pontuação pender entre 0,2 e 0,5 abaixo do desvio-padrão normativo, (c) é moderadamente a disfunção entre 0,5 e 0,8 do desvio-padrão abaixo do padrão normativo, e (d) é grave em 0,8 ou mais do desvio-padrão abaixo do padrão normativo.


ABRAHAM REICHENBERG e PHILIP D. HARVEY
em Disfunções Neuropsicológica da Esquizofrenia: Integração de Desempenho Baseado em Descobertas com Imagens Cerebrais (Neuropsychological Impairments in Schozophrenia: Integration of Performance-Based and Brain Imaging Findings) .
Psychological Bulletin (2007, vol. 133, n.º 5, 833-858)
American Psychological Association

quarta-feira, 1 de julho de 2009

MINHAS TRADUÇÕES

INTRODUÇÃO

Pacientes com esquizofrenia manifestam uma grande variedade de sintomas, incluindo delírios, alucinações, e disfunções na comunicação, na habilidade motora, na volição e desordem emocional. Um consistente estudo associou a esquizofrenia com anormalidades no sistema dopaminérgico caracterizado pela coexistência de um estado hiperdopaminérgico no percurso mesolímbico, junto com hipodopaminérgico no trato mesocortical (Davis, Kahn, Ko, & Davidson, 1991; Weinberger et al., 2001). Diversos modelos patofísiológicos diferentes da esquizofrenia foram propostos (Friston, 1999; Pearlson, Petty, Ross, & Tien, 1996; Schultz & Andreasen, 2000; Weiberger, 1987). Entretanto, a maioria das explicações que tem em comum algo substancial, propõem que a esquizofrenia é o resultado de disfunção da distribuição das redes neurais e que o córtex pré-frontal é uma parte intrínseca dessas redes.

Até recentemente, a visão dominante era que pacientes esquizofrênicos apresentavam limitações, se houver, com prejuízos neuropsicológicos, e aquelas que são observadas seriam somente secundárias para muitos dos sintomas da desordem. Na verdade, em seu livro inicial sobre a avaliação neuropsicológica, Lezak (1995) afirmou que “a maioria dos pacientes esquizofrênicos não tinham nenhum sinal neurológico, nem déficits significativos neurológicos” (p.324). Esta visão vem sendo drasticamente mudada. Através de cuidadosa e abrangente pesquisa neuropsicológica tornou-se amplamente manifesto que em acréscimo aos diversos sintomas que formam a definição clínica da doença, o distúrbio mental é, para uma variedade de graus, acompanhado por disfunções neurológicas e conseqüentes disfunções funcionais (Seidman, 1983). De fato, anormalidades neuropsicológicas têm sido observadas na maioria (Goldberg, Ragland, et al., 1990; Palmer et al., 1997), se não em todos (Keefe, Eesley, & Poe, 2005; Kremen, Seidman, Faraone, Toomey, & Tsuang, 2000), os pacientes com esquizofrenia.

Essas observações têm conduzido para a hipótese de que o comprometimento do funcionamento neurológico é a principal característica da esquizofrenia e não um artefato de outros sintomas, maneira de tratar a doença, ou aspectos do curso da doença (Elvevag & Goldberg, 2000; Kremen et al. 2000). Foi igualmente proposto que a bem conhecida diversidade da esquizofrenia em termos de resultado funcional e o aspecto irremediável da doença é melhor caracterizada por déficits neurológicos, e não por sintomas clássicos (Elvevag & Goldberg, 2000). Evidências em diversas áreas de pesquisas apóiam esta hipótese. Primeiro, anormalidades neurológicas são evidentes muitos anos antes e manifestam expressões de qualquer sintoma psicótico (Aylward, Walker, & Bettes, 1984; David, Malmberg, Brandt, Allebeck, & Lewis, 1997; Davidson et al., 1999; Hoff et al., 1999; Jones, Rodgers, Murray, & Marmot, 1994; Reichenberg et al., 2002). Segundo, estes sintomas cognitivos estão consideravelmente desenvolvidos no momento do primeiro contato psiquiátrico (Bilder et al., 2000; Saykin et al., 1994). Terceiro, déficits cognitivos são persistentes e são observados em níveis similares de gravidade mesmo quando os sintomas diminuem (Addington & Addington, 1993; Barbarotto, Castignoli, Passetti, & Laiacona, 2001; Harvey et al., 1990; Martinez-Aran et al., 2002; Silverstein, Osborn, & Palumbo, 1998). Quarto, similarmente, ainda que brandas, desempenho anormal neuropsicológico tem sido observado nos parentes não psicóticos de pacientes esquizofrênicos (T.D. Cannon et al., 1994, 2000; Faraone et al., 1996; T.E. Goldberg, Ragland, et al., 1990; T.E. Goldberg et al., 1995; Keefe et al., 1994; Kremen et al., 1994) e em pacientes de condições de espectro da esquizofrenia (Bergman et al., 1998; Mitropoulou et al., 2002; Moriarty et al., 2003; Roitman et al., 2000; Trestman et al., 1995). Quinto, os déficits cognitivos não respondem marcadamente ao tratamento com medicamentos antipsicótico atípico e típico, apesar dessas medicações reduzirem os sintomas psicóticos do distúrbio com bastante eficiência (Blyler & Gold, 2000). Finalmente, tem sido demonstrado que anormalidades funcionais neuropsicológicas predizem uma variedade de aspectos de resultado funcional pobre, incluindo o conjunto de funções e habilidades de aprendizagem em esquizofrenia (Green, 1996; Green, Kern, Braff, & Mintz, 2000).

Uma vasta literatura referente aos déficits neuropsicológicos na esquizofrenia acumulou ao longo da última década. Neste artigo, nós decidimos rever a literatura sobre déficits cognitivos na esquizofrenia e a literatura de neuroimagem sobre a cognição na esquizofrenia com referência principal para os domínios de disfunções neuropsicológicas. Nós adicionamos resumos de estudos neuropsicológicos em parentes de pacientes esquizofrênicos e apresentamos descobertas neuropsicológicas a partir de estudos de resultados de corte longitudinal desde o nascimento na esquizofrenia, bem como estudos de distúrbios no espectro da esquizofrenia; esses sugeriram que as disfunções neuropsicológicas não são meramente associadas com a própria doença, mas provavelmente representam tendência genética para o distúrbio. Finalmente, nós apresentamos criticamente discussões de modelos cognitivos que poderiam ser usados para ajudar conceitualizar à disfunção neuropsicológica.


ABRAHAM REICHENBERG e PHILIP D. HARVEY
em Disfunções Neuropsicológica da Esquizofrenia: Integração de Desempenho Baseado em Descobertas com Imagens Cerebrais.
Psychological Bulletin (2007, vol. 133, n.º 5, 833-858)
American Psychological Association

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A MEMÓRIA E SUAS FALHAS: TRANSITORIEDADE




A transitoriedade é o esquecimento que acontece com o passar do tempo. Ela age de forma silenciosa, mas contínua: o passado desaparece inevitavelmente com a ocorrência de novas experiências.


O filósofo Hermann Ebbinghaus ao entrar em contato com o livro de autoria do também filósofo e cientista alemão Gustav Fechener, que tratava de métodos experimentais para o estudo da percepção sensorial, expressou que a memória, assim como a percepção sensorial, poderia ser estudada com o uso de métodos científicos. Ele, então, produziu as primeiras provas experimentais da transitoriedade ao sondar sua própria memória em busca de milhares de cadeias de letras sem sentido (chamadas de “sílabas absurdas” pelos psicólogos) em que havia se esforçado para aprender e reaprender. Disso resultou a sua descoberta de que a maior parte do esquecimento ocorre em períodos recentes ao acontecimento e que depois vai diminuindo. Esta descoberta mais tarde foi comprovada em inúmeras experiências de laboratório.


Em pontos relativamente iniciais da curva do esquecimento – minutos, horas, dias, às vezes mais tempo -, a memória guarda recordações relativamente detalhadas, permitindo que resgatemos o passado com uma precisão razoável, senão perfeita. Mas, com o passar do tempo, os detalhes vão se apagando e multiplicam-se as oportunidades de interferência – geradas por experiências posteriores parecidas – para obscurecer as nossas recordações. É aí então que nos apoiamos cada vez mais no que recordamos da essência, da parte principal do acontecimento, e tentamos reconstruir os detalhes por dedução e até mesmo adivinhação. A transitoriedade envolve uma troca gradual de reprodução de detalhes e recordações específicas pela reconstrução e descrição mais geral de um evento.


Quando o objeto perceptual é agregado com alto valor de atenção, melhor será o potencial de registro do objeto pela memória. Duas regiões do cérebro se mostram com maior atividade quando a percepção está associada com a atenção. Essas duas áreas ficam na parte interna do lobo temporal e parte inferior do lobo frontal esquerdo. Portanto, quanto mais se analisa um objeto durante a codificação menos transitórias são as lembranças. Também, a memorização de informações melhora quando as pessoas conseguem criar frases ou histórias que possibilitem a associação de fatos já conhecidos àquilo que precisa ser lembrado.


A retenção de informação por dias, semanas e anos depende de duas formas principais de memória de longo prazo: da memória episódica e da memória semântica. A memória episódica permite a recordação de experiências pessoais ocorridas numa data ou lugar específicos e a memória semântica possibilita a aquisição e o resgate de fatos. No entanto, um terceiro tipo de memória interfere entre o momento da percepção e o estabelecimento posterior de uma memória episódica duradoura ou de uma memória semântica, a memória operacional. Esta guarda pequenas quantidades de informação por um curto espaço de tempo, normalmente alguns segundos, enquanto as pessoas estão empenhadas em atividades cognitivas, como ler, ouvir, resolver problemas, raciocinar ou pensar.


O principal responsável pela transitoriedade rápida é uma parte do sistema de memória operacional chamada “alça fonológica”. A alça fonológica permite que guardemos temporariamente pequenas quantidades de informação lingüística. Ela seria um subsistema “escravo” que ajuda o sistema “executivo central” da memória operacional. Esse sistema controla o fluxo de informação para dentro e para fora da memória de longo prazo. A alça fonológica pode atuar independentemente da memória de longo prazo. Uma das conseqüências de lesões na alça fonológica pode tornar o indivíduo incapaz, por exemplo, de aprender vocabulário em línguas estrangeiras, pois ela é um portal para a aquisição de um vocabulário novo, pois ajuda a assimilar o som de palavras novas. Quando ela não esta funcionando de forma adequada, não conseguimos reter esses sons por tempo suficiente para ter a oportunidade de converter nossas percepções em lembranças de longo prazo. No caso de crianças pequenas que demonstram capacidade de repetir palavras sem sentido é um bom indicativo do funcionamento da alça fonológica. O número de palavras sem sentido que uma criança consegue repetir imediatamente após ouvi-las é uma excelente forma de se prever a capacidade de aquisição de vocabulário dessa criança. As que têm problemas de linguagem apresentam desempenho particularmente ruim nos testes de alça fonológica.


Os estudos de neuroimagem localizaram o compartimento de arquivo da alça fonológica na parte posterior do lobo parietal. Outra parte da alça fonológica, crucial para repetição de informação mantida no armazenamento de curto prazo, depende de porções inferiores do córtex pré-frontal esquerdo. Essa parte do cérebro fica na proximidade da região posterior do lobo parietal que contribui para a assimilação organizada de informações. Essa mesma região desempenha um papel importante na comunicação.


A conseqüência da transitoriedade é que a informação é perdida pela memória operacional, não ficando disponível para ser assimilada pela memória de longo prazo. O mecanismo utilizado pelas pessoas saudáveis para evitar a transitoriedade de curto prazo é que elas fazem um esforço coordenado para repetir a informação, o que estimula a parte esquerda inferior do córtex frontal.


Se uma experiência vai ser rapidamente esquecida ou lembrada por anos depende também do que acontece naqueles primeiros segundos após a criação de uma memória. Pensar e falar sobre experiências não somente ajuda a compreender o passado como também altera a capacidade de recordações posteriores. Quando não refletimos ou falamos sobre o que aconteceu, a tendência é esquecer mais rapidamente. (R.O. relacionando esse trecho com o pensamento de Freud em que diz que dependendo do grau de emoção envolvido na experiência vivida, a pessoa tende a esquecer a idéia e não o afeto). Portanto, pensar e falar sobre acontecimentos do passado melhora a memória daquele evento em comparação com experiências que não são repetidas.


Lembrando que a saturação de uma experiência também leva a transitoriedade.


O esquecimento algumas vezes envolve a perda literal de informação, porque as lembranças são codificadas por meio de alterações nas conexões entre os neurônios e caso não sejam reforçadas por um esforço posterior de recuperação e repetição da informação, as conexões ficam tão fracas que a memória acaba obstruída. Entretanto, as informações aparentemente perdidas podem ser recuperadas por meio de sugestões e alusões (essas duas técnicas de recuperação da informação perdida também podem criar falsas memórias).


Uma técnica para melhorar a codificação elaborada de informações e evitar o seu esquecimento é fazer perguntas sobre o que você quer lembrar, perguntas que vão forçar a elaboração, como: quais são as características distintas no rosto dessa mulher que acabo de conhecer?


Uma hipótese sobre a retenção de informações argumenta que um gene produz uma proteína para um portão neural que desempenha um papel importante na memória, conhecida como receptor NMDA. Esse receptor ajuda o coordenar o fluxo de informação de um neurônio para o outro, através do espaço entre eles conhecido como sinapse. O psicólogo canadense Donald Hebb propôs a teoria de que as memórias são criadas quando a atividade das conexões sinápticas se intensifica entre os neurônios que estão ativos ao mesmo tempo.


Logo, a transitoriedade é a mais terrível das falhas de memória, pois ela debilita insidiosamente a função da memória de nos ligar aos pensamentos e ações do passado que definem quem somos nós.


DANIEL L. SCHACTER

(resumo do capitulo I: O pecado da transitoriedade, p. 26-58)

em Os Sete Pecados da Memória: como a mente esquece e lembra.

Tradução de Sueli Anciães Gunn

Rio de Janeiro: Rocco, 2003


segunda-feira, 8 de junho de 2009

PERCEPÇÃO


O contato entre o homem e o ambiente é possível graças a receptores sensíveis à energia, especificamente sensíveis a certas formas de energia. Antes do estabelecimento do contato e do inicio de respostas adaptativas adequadas, as características da estimulação devem ser codificadas, para transmissão aos níveis superiores do sistema nervoso central. Recepção, transformação e codificação de energia constituem o primeiro estágio do processo perceptivo (p. 16).

PERCEÇÃO VISUAL

Os cones e bastonetes dos olhos são sensíveis à luz em virtude de mudanças fotoquímicas, que ocorrem quando a luz os atinge.


PERCEPÇÃO AUDITIVA

As células ciliadas do ouvido interno são sensibilizadas pela atividade vibratória na endolinfa da cóclea do ouvido.


PERCEPÇÃO TÁTIL

Os receptores da pele são sensíveis a distorções mecânicas da pele, induzidas por pressões. Há, também, receptores na pele que respondem a mudanças na temperatura.


PERCEPÇÃO GUSTATIVA E OLFACTIVA

Células localizadas nos tecidos das fossas nasais, na língua e na boca são sensíveis a alterações na composição química dos fluidos que as banham, e que absorvem gases e partículas voláteis.


EXTERORECEPTORES (Sherrington): são células do ouvido, olho e pele que recebem energia do ambiente externo.


CARACTERISTICAS DA ENERGIA DO ESTÍMULO

  • Somente amplitudes restritas de energia ambiental em suas várias formas são capazes de estimular as células receptoras, e que a extensão dessas amplitudes varia de uma espécie para outra.
  • A intensidade mínima de energia (limiar absoluto) necessária para ativar os receptores varia de acordo com as características particulares da energia.
  • Para o estímulo ser eficaz a energia deve variar no tempo ou no espaço. Após um breve tempo, um padrão de energia constante ou imutável perde sua eficiência, pois os receptores se tornam progressivamente menos sensíveis.

PROCESSO PERCEPTIVO

A energia luminosa no olho, a energia mecânica que atinge o ouvido e a pele, e todas as outras formas de energia às quais o organismo é sensível, são transformadas ou traduzidas pelo equipamento sensorial em descargas elétricas que, por sua vez, são transmitidas como impulsos ao cérebro, através dos canais nervosos. Esta transmutação e codificação da energia é o primeiro estádio do processo perceptivo.

O mecanismo final pelo qual estas mudanças fotoquímicas disparam impulsos nas células da retina ainda permanece obscuro. Isso é, os estádios finais da transformação de energia física em impulsos neurais ainda precisam ser esclarecidos.


Em qualquer sistema sensorial, um impulso ocorre com uma amplitude característica, e sua velocidade é determinada principalmente pelo diâmetro da fibra nervosa. As mudanças na intensidade, todavia, afetam a freqüência dos impulsos no sistema. Quanto maior a intensidade do estímulo, em termos físicos, maior é a freqüência dos impulsos. A intensidade do estímulo é, pois, codificada pela freqüência do impulso, um princípio comum a todos os sistemas sensoriais.


O estímulo físico, na visão pode variar em comprimento de onda, sendo que diferentes extensões de ondas resultam na percepção de diferentes cores. Na audição as vibrações moleculares incidentes sobre o ouvido podem variar em freqüência, sendo que diferentes freqüências de vibração propiciam alturas diferentes de sons.

As variações em intensidades e em outras propriedades da energia são transformadas num código, que comunica a informação do estímulo ao sistema nervoso central. Estes processos representam o primeiro estádio da percepção.


APRENDIZAGEM E PERCEPÇÃO

A correlação entre processos neurais e fenômenos perceptivos sugere que a experiência não é aprendida, mas advém de processos e interações particulares, induzidos por padrões de estimulação.


PERCEPÇÃO E ATIVIDADE NEURAL

O declínio no brilho aparente se relaciona com a diminuição na freqüência dos impulsos e a redução progressiva do brilho está relacionada com a diminuição da velocidade dos impulsos, visto que os olhos são estimulados por uma intensidade constante.


DETERMINANTES INATOS DA PERCEPÇÃO

Pelo menos em alguns aspectos, o comportamento perceptivo não depende da aprendizagem. Uma das tarefas da psicologia experimental é a exploração detalhada das condições do estímulo que disparam estas formas de comportamento padrão, sem aprendizagem prévia.


A existência de respostas discriminativas inatas é evidenciada a partir de duas fontes principais: o comportamento de espécies sub-humanas cuja exposição à estimulação pode ser controlada ou impedida até o momento das observações experimentais, e o comportamento do ser humano recém-nascido.


Padrões de estimulação funcionalmente significativos para o animal são reconhecidos e discriminados, sem aprendizagem ou exposição prévia.


PERCEPÇÃO DO ESPAÇO BIDIMENSIONAL

A energia do estímulo pode mudar tanto em função do tempo como do espaço. A forma e a textura visuais decorrem de mudanças em intensidade e comprimento de onda da luz que chega à retina, e sensações tácteis como as de macio e áspero, assim como as sensações de contorno são associadas a variações de pressão mecânica sobre a superfície da pele.


A percepção de limites e bordas é auxiliada por mecanismos sensoriais que intensificam as mudanças espaciais na estimulação. Bordas e contornos são gerados não somente por mudanças nas propriedades fundamentais da luz, como também em virtude de propriedades mais complexas, como a densidade dos elementos que compõem a configuração.


ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO NA PERCEPÇÃO DA FORMA

Não há dúvida de que a familiaridade do observador com certas formas significativas e suas expectativas, determinadas por instruções e experiências prévias, afetam consideravelmente o que ele percebe como figura e como fundo.


TEORIA EM PERCEPÇÃO

A Teoria da Gestalt é fenomenológica, realça as relações entre processos no sistema nervoso central e as experiências do observador e dá pouca importância ao papel da aprendizagem na percepção. A noção básica do Gestaltismo afirma que a percepção é relacionalmente determinada. Um segundo princípio fundamental da Teoria da Gestáltica é o do isomorfismo, que afirma haver correspondência entre os processos induzidos no sistema nervoso central e os fenômenos perceptivos.


AS CATEGORIAS DA PERCEPÇÃO

A percepção pode ser considerada a partir de três categorias de variáveis: a do ambiente físico, a das interações e processos fisiológicos e a dos eventos comportamentais. As variáveis-estímulo são as que ocorrem no passado do indivíduo (HS), assim como a estimulação atual (S). Pode-se admitir que a estimulação passada e as respostas de atenção resultam em eventos e mudanças neurais que constituem a memória ou armazenagem neural do indivíduo. Esta última pode ser denominada depósito neural central (DNC).O estímulo em ação no momento induz processos quer no sistema nervoso periférico, como, por exemplo, nos receptores e estruturas associadas, quer nas regiões centrais, inclusive o córtice cerebral. Podemos denominá-las atividades neural periférica (ANP) e atividade neural central (ANC). O depósito neural central, a atividade periférica e os eventos neurais centrais podem ser considerados como uma combinação que produz os eventos fenomênicos da percepção (F), que, por sua vez, servem como mediadores para a resposta comportamental manifesta.


A psicologia da Gestalt concentrou-se nas relações existentes entre estímulos (S), atividade neural central (ANC) e o estado de consciência (F). As teorias funcionalistas acentuaram as interações entre aprendizagem prévia (DNC), estimulação (S) e tanto fenômenos (F) como respostas (R). As interações entre estimulação (S) e atividade neural periférica (ANP) lançaram luz, recentemente, sobre a codificação de energia do estímulo, e que a história do estímulo (HS) do indivíduo, juntamente com o estímulo atual (S) se combinam para produzir qualquer fenômeno (F), como, por exemplo, a memória de cores.




R. H. DAY

em Psicologia da Percepção

Coleção Psicologia Contemporânea

Livraria José Olympio Editora – 3ª edição – RJ – 1979 – 108 p.


quarta-feira, 27 de maio de 2009

MINHAS TRADUÇÕES

Resumo:

Até recentemente, a visão dominante era que pacientes com esquizofrenia poderiam apresentar limitações em decorrência de disfunções neuropsicológicas e as observadas seriam apenas secundárias a muito dos sintomas do transtorno. Entretanto, essa visão mudou drasticamente. Esta revisão integra evidências recentes demonstrando a gravidade e o perfil das disfunções neuropsicológicas na esquizofrenia. Apresentamos a avaliação quantitativa apurada na literatura em que demonstra que a maior parte das disfunções severas são evidentes em memória episódica e processos de controle executivo, com evidências sobre um histórico de um déficit cognitivo generalizado. As disfunções neuropsicológicas representam potenciais genéticos responsáveis pelo transtorno, assim como, deficiências semelhantes, porém brandas, são evidentes em pacientes esquizofrênicos antes mesmo do aparecimento de sintomas psicóticos, bem como em pacientes esquizofrênicos com parentes não psicóticos. A neuroimagem de correspondentes cognitivos na literatura sobre funções executivas, memória episódica e memória de trabalho na esquizofrenia que documentam anormalidades nos lobos frontais e temporais médio é resumida, e modelos atuais integrando dados neuropsicológicos e de neuroimagem são discutidos.

ABRAHAM REICHENBERG e PHILIP D. HARVEY
em Disfunções Neuropsicológica da Esquizofrenia: Integração de Desempenho Baseado em Descobertas com Imagens Cerebrais.
Psychological Bulletin (2007, vol. 133, n.º 5, 833-858)
American Psychological Association

sábado, 16 de maio de 2009

CONCEITOS

Ativação (nível de vigilância) concatenada com a atenção (capacidade de focalização da atividade).

Conteúdo da consciência: refere-se as funções mentais superiores.

Vigília: refere-se a ativação do córtex a partir da formação reticular do tronco cerebral e do sistema talâmico de projeção.

AS OITO PRINCIPAIS FASES DO DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO

1. indicação da placa neural,

3. migração de células da região onde são geradas até os lugares onde finalmente irão se estabelecer,

4. agregação de células para formar as partes identificáveis do cérebro,

5. diferenciação dos neurônios imaturos,

6. formação de conexões com outros neurônios,

7. morte seletiva de certas células,

8. eliminação de algumas conexões formadas inicialmente e estabelecimento de outras.


Fonte: avaliação neuropsicológica

LIVROS DA ÁREA DE NEUROCIÊNCIA LIDOS EM 2009/2010

* Psicologia da Percepção - R. H. DAY
* Os Sete Pecados da Memória - como a mente esquece e lembra - DANIEL L. SCHACTER
* Mentes Inquietas - TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade - ANA BEATRIZ BARBOSA SILVA

LIVROS DE LITERATURA LIDOS EM 2009/2010

* Memórias do Subsolo - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* Oráculos de Maio - ADÉLIA PRADO

* No Caminho de Swann - MARCEL PROUST

* Fantasma Sai de Cena - PHILIP ROTH

* Indignação - PHILIP ROTH

* Caim - SARAMAGO

* Recordações da Casa dos Mortos - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* O Seminarista - RUBEM FONSECA

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