terça-feira, 1 de setembro de 2009

BOAS PROVOCAÇÕES

Entre a tecnologia do mental e a neurociência haveria ainda algo que teria se tornado uma terra de ninguém: a psicologia, que, durante muitos anos, tinha permanecido como reduto privilegiado daqueles que queriam falar sobre mentes. Para os neurocientistas e para os engenheiros do mental a psicologia está vivendo seus últimos dias, estando fadada a desaparecer num futuro próximo, da mesma maneira que a alquimia foi substituída pela química. “Mente” estaria se tornando um conceito absoleto.

Desde seu aparecimento, há 150 anos, a psicologia tem enfrentado uma desorganização teórica profunda. Nas últimas décadas ela se tornou particularmente aguda, ao ponto de filósofos como o austríaco Ludwing Wittgenstein a ironizarem com sentenças bombásticas como “Na psicologia há métodos experimentais e confusão conceitual”. Os psicólogos nunca teriam realmente sabido do que estavam falando ao se referirem a mentes. Nem tampouco os neurocientistas. Desse pântano não parecem ter escapado os tecnólogos da mente nem tampouco os neurocientistas. Quando lemos atentamente seus trabalhos ou visitamos seus laboratórios frequentemente ficamos com a impressão de que muitas vezes aqueles que se envolvem nesse tipo de empreendimento não sabem exatamente o que estão fazendo. É como se tivessem um excelente navio, com uma tripulação altamente qualificada sem, contudo, saber de onde se partiu e para onde se está navegando, correndo o risco de algumas vezes tomar uma ilhota por um continente ou cometendo o erro oposto. O conceito de mente ainda parece constituir o grande ponto cego da investigação cientifica.

Na contramão desse movimento científico encontramos uma forte reação à invasão progressiva da ciência nos últimos redutos do mundo da mente: o misticismo. Com ele busca-se reencontrar algum tipo de reencantamento do mundo, opondo-se à dessacralização e ao processo de naturalização da mente, ou seja, a redução dessa ao substrato químico e biológico do cérebro. Do misticismo desliza-se facilmente para a mistificação. A psicologia não ficou imune a esse tipo de movimento, encontrando-se hoje invadida por doutrinas exóticas dos mais variados tipos.

O desafio que enfrentamos é, então, o de desenvolver um conceito de mente e de sua relação com o cérebro que acomode a possibilidade de uma investigação científica interdisciplinar; uma investigação que concilie nossa própria descrição como cérebros e organismos com nossa descrição como pessoas dotadas de mentes. Não poderíamos resolver esse problema decretando unilateralmente o fim da idéia de mente ou sustentando que essa passará para a lista dos conceitos científicos absoletos, da mesma maneira que o “flogisto” foi substituído pelo oxigênio.


JOÃO DE FERNANDES TEIXEIRA
em Mente, cérebro e cognição
3ª edição – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008
Trechos tirados da introdução da página 12


Este trecho do texto introdutório do livro “Mente, cérebro e cognição” de Teixeira (2008) é uma excelente provocação. Do meu ponto de vista ele traz aspectos críticos relevantes quanto à psicologia, no entanto, exagera ao prever o seu fim. Porque, como ele mesmo aponta, ela é uma ciência que se tornou independente de outros campos do saber muito recentemente e por isso, acredito que ela está ainda se organizando e tem muitas pessoas sérias colaborando para o seu avanço dentro dos princípios científicos.

Outro aspecto que deve ser lembrado é que o objeto da psicologia não é apenas a mente (processos psíquicos), mas também o comportamento.

Logo, todo o enfoque de estudo da mente, realmente, deve ser interdisciplinar e/ou multidisciplinar, pois a filosofia, como já ficou claro em todas as suas investidas quanto ao seu estudo, até hoje não deu conta nem de quebrar alguns paradigmas criados por Platão e Aristóteles referente ao tema e o navio continua a deriva.

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LIVROS DA ÁREA DE NEUROCIÊNCIA LIDOS EM 2009/2010

* Psicologia da Percepção - R. H. DAY
* Os Sete Pecados da Memória - como a mente esquece e lembra - DANIEL L. SCHACTER
* Mentes Inquietas - TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade - ANA BEATRIZ BARBOSA SILVA

LIVROS DE LITERATURA LIDOS EM 2009/2010

* Memórias do Subsolo - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* Oráculos de Maio - ADÉLIA PRADO

* No Caminho de Swann - MARCEL PROUST

* Fantasma Sai de Cena - PHILIP ROTH

* Indignação - PHILIP ROTH

* Caim - SARAMAGO

* Recordações da Casa dos Mortos - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* O Seminarista - RUBEM FONSECA

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