quinta-feira, 25 de junho de 2009

A MEMÓRIA E SUAS FALHAS: TRANSITORIEDADE




A transitoriedade é o esquecimento que acontece com o passar do tempo. Ela age de forma silenciosa, mas contínua: o passado desaparece inevitavelmente com a ocorrência de novas experiências.


O filósofo Hermann Ebbinghaus ao entrar em contato com o livro de autoria do também filósofo e cientista alemão Gustav Fechener, que tratava de métodos experimentais para o estudo da percepção sensorial, expressou que a memória, assim como a percepção sensorial, poderia ser estudada com o uso de métodos científicos. Ele, então, produziu as primeiras provas experimentais da transitoriedade ao sondar sua própria memória em busca de milhares de cadeias de letras sem sentido (chamadas de “sílabas absurdas” pelos psicólogos) em que havia se esforçado para aprender e reaprender. Disso resultou a sua descoberta de que a maior parte do esquecimento ocorre em períodos recentes ao acontecimento e que depois vai diminuindo. Esta descoberta mais tarde foi comprovada em inúmeras experiências de laboratório.


Em pontos relativamente iniciais da curva do esquecimento – minutos, horas, dias, às vezes mais tempo -, a memória guarda recordações relativamente detalhadas, permitindo que resgatemos o passado com uma precisão razoável, senão perfeita. Mas, com o passar do tempo, os detalhes vão se apagando e multiplicam-se as oportunidades de interferência – geradas por experiências posteriores parecidas – para obscurecer as nossas recordações. É aí então que nos apoiamos cada vez mais no que recordamos da essência, da parte principal do acontecimento, e tentamos reconstruir os detalhes por dedução e até mesmo adivinhação. A transitoriedade envolve uma troca gradual de reprodução de detalhes e recordações específicas pela reconstrução e descrição mais geral de um evento.


Quando o objeto perceptual é agregado com alto valor de atenção, melhor será o potencial de registro do objeto pela memória. Duas regiões do cérebro se mostram com maior atividade quando a percepção está associada com a atenção. Essas duas áreas ficam na parte interna do lobo temporal e parte inferior do lobo frontal esquerdo. Portanto, quanto mais se analisa um objeto durante a codificação menos transitórias são as lembranças. Também, a memorização de informações melhora quando as pessoas conseguem criar frases ou histórias que possibilitem a associação de fatos já conhecidos àquilo que precisa ser lembrado.


A retenção de informação por dias, semanas e anos depende de duas formas principais de memória de longo prazo: da memória episódica e da memória semântica. A memória episódica permite a recordação de experiências pessoais ocorridas numa data ou lugar específicos e a memória semântica possibilita a aquisição e o resgate de fatos. No entanto, um terceiro tipo de memória interfere entre o momento da percepção e o estabelecimento posterior de uma memória episódica duradoura ou de uma memória semântica, a memória operacional. Esta guarda pequenas quantidades de informação por um curto espaço de tempo, normalmente alguns segundos, enquanto as pessoas estão empenhadas em atividades cognitivas, como ler, ouvir, resolver problemas, raciocinar ou pensar.


O principal responsável pela transitoriedade rápida é uma parte do sistema de memória operacional chamada “alça fonológica”. A alça fonológica permite que guardemos temporariamente pequenas quantidades de informação lingüística. Ela seria um subsistema “escravo” que ajuda o sistema “executivo central” da memória operacional. Esse sistema controla o fluxo de informação para dentro e para fora da memória de longo prazo. A alça fonológica pode atuar independentemente da memória de longo prazo. Uma das conseqüências de lesões na alça fonológica pode tornar o indivíduo incapaz, por exemplo, de aprender vocabulário em línguas estrangeiras, pois ela é um portal para a aquisição de um vocabulário novo, pois ajuda a assimilar o som de palavras novas. Quando ela não esta funcionando de forma adequada, não conseguimos reter esses sons por tempo suficiente para ter a oportunidade de converter nossas percepções em lembranças de longo prazo. No caso de crianças pequenas que demonstram capacidade de repetir palavras sem sentido é um bom indicativo do funcionamento da alça fonológica. O número de palavras sem sentido que uma criança consegue repetir imediatamente após ouvi-las é uma excelente forma de se prever a capacidade de aquisição de vocabulário dessa criança. As que têm problemas de linguagem apresentam desempenho particularmente ruim nos testes de alça fonológica.


Os estudos de neuroimagem localizaram o compartimento de arquivo da alça fonológica na parte posterior do lobo parietal. Outra parte da alça fonológica, crucial para repetição de informação mantida no armazenamento de curto prazo, depende de porções inferiores do córtex pré-frontal esquerdo. Essa parte do cérebro fica na proximidade da região posterior do lobo parietal que contribui para a assimilação organizada de informações. Essa mesma região desempenha um papel importante na comunicação.


A conseqüência da transitoriedade é que a informação é perdida pela memória operacional, não ficando disponível para ser assimilada pela memória de longo prazo. O mecanismo utilizado pelas pessoas saudáveis para evitar a transitoriedade de curto prazo é que elas fazem um esforço coordenado para repetir a informação, o que estimula a parte esquerda inferior do córtex frontal.


Se uma experiência vai ser rapidamente esquecida ou lembrada por anos depende também do que acontece naqueles primeiros segundos após a criação de uma memória. Pensar e falar sobre experiências não somente ajuda a compreender o passado como também altera a capacidade de recordações posteriores. Quando não refletimos ou falamos sobre o que aconteceu, a tendência é esquecer mais rapidamente. (R.O. relacionando esse trecho com o pensamento de Freud em que diz que dependendo do grau de emoção envolvido na experiência vivida, a pessoa tende a esquecer a idéia e não o afeto). Portanto, pensar e falar sobre acontecimentos do passado melhora a memória daquele evento em comparação com experiências que não são repetidas.


Lembrando que a saturação de uma experiência também leva a transitoriedade.


O esquecimento algumas vezes envolve a perda literal de informação, porque as lembranças são codificadas por meio de alterações nas conexões entre os neurônios e caso não sejam reforçadas por um esforço posterior de recuperação e repetição da informação, as conexões ficam tão fracas que a memória acaba obstruída. Entretanto, as informações aparentemente perdidas podem ser recuperadas por meio de sugestões e alusões (essas duas técnicas de recuperação da informação perdida também podem criar falsas memórias).


Uma técnica para melhorar a codificação elaborada de informações e evitar o seu esquecimento é fazer perguntas sobre o que você quer lembrar, perguntas que vão forçar a elaboração, como: quais são as características distintas no rosto dessa mulher que acabo de conhecer?


Uma hipótese sobre a retenção de informações argumenta que um gene produz uma proteína para um portão neural que desempenha um papel importante na memória, conhecida como receptor NMDA. Esse receptor ajuda o coordenar o fluxo de informação de um neurônio para o outro, através do espaço entre eles conhecido como sinapse. O psicólogo canadense Donald Hebb propôs a teoria de que as memórias são criadas quando a atividade das conexões sinápticas se intensifica entre os neurônios que estão ativos ao mesmo tempo.


Logo, a transitoriedade é a mais terrível das falhas de memória, pois ela debilita insidiosamente a função da memória de nos ligar aos pensamentos e ações do passado que definem quem somos nós.


DANIEL L. SCHACTER

(resumo do capitulo I: O pecado da transitoriedade, p. 26-58)

em Os Sete Pecados da Memória: como a mente esquece e lembra.

Tradução de Sueli Anciães Gunn

Rio de Janeiro: Rocco, 2003


segunda-feira, 8 de junho de 2009

PERCEPÇÃO


O contato entre o homem e o ambiente é possível graças a receptores sensíveis à energia, especificamente sensíveis a certas formas de energia. Antes do estabelecimento do contato e do inicio de respostas adaptativas adequadas, as características da estimulação devem ser codificadas, para transmissão aos níveis superiores do sistema nervoso central. Recepção, transformação e codificação de energia constituem o primeiro estágio do processo perceptivo (p. 16).

PERCEÇÃO VISUAL

Os cones e bastonetes dos olhos são sensíveis à luz em virtude de mudanças fotoquímicas, que ocorrem quando a luz os atinge.


PERCEPÇÃO AUDITIVA

As células ciliadas do ouvido interno são sensibilizadas pela atividade vibratória na endolinfa da cóclea do ouvido.


PERCEPÇÃO TÁTIL

Os receptores da pele são sensíveis a distorções mecânicas da pele, induzidas por pressões. Há, também, receptores na pele que respondem a mudanças na temperatura.


PERCEPÇÃO GUSTATIVA E OLFACTIVA

Células localizadas nos tecidos das fossas nasais, na língua e na boca são sensíveis a alterações na composição química dos fluidos que as banham, e que absorvem gases e partículas voláteis.


EXTERORECEPTORES (Sherrington): são células do ouvido, olho e pele que recebem energia do ambiente externo.


CARACTERISTICAS DA ENERGIA DO ESTÍMULO

  • Somente amplitudes restritas de energia ambiental em suas várias formas são capazes de estimular as células receptoras, e que a extensão dessas amplitudes varia de uma espécie para outra.
  • A intensidade mínima de energia (limiar absoluto) necessária para ativar os receptores varia de acordo com as características particulares da energia.
  • Para o estímulo ser eficaz a energia deve variar no tempo ou no espaço. Após um breve tempo, um padrão de energia constante ou imutável perde sua eficiência, pois os receptores se tornam progressivamente menos sensíveis.

PROCESSO PERCEPTIVO

A energia luminosa no olho, a energia mecânica que atinge o ouvido e a pele, e todas as outras formas de energia às quais o organismo é sensível, são transformadas ou traduzidas pelo equipamento sensorial em descargas elétricas que, por sua vez, são transmitidas como impulsos ao cérebro, através dos canais nervosos. Esta transmutação e codificação da energia é o primeiro estádio do processo perceptivo.

O mecanismo final pelo qual estas mudanças fotoquímicas disparam impulsos nas células da retina ainda permanece obscuro. Isso é, os estádios finais da transformação de energia física em impulsos neurais ainda precisam ser esclarecidos.


Em qualquer sistema sensorial, um impulso ocorre com uma amplitude característica, e sua velocidade é determinada principalmente pelo diâmetro da fibra nervosa. As mudanças na intensidade, todavia, afetam a freqüência dos impulsos no sistema. Quanto maior a intensidade do estímulo, em termos físicos, maior é a freqüência dos impulsos. A intensidade do estímulo é, pois, codificada pela freqüência do impulso, um princípio comum a todos os sistemas sensoriais.


O estímulo físico, na visão pode variar em comprimento de onda, sendo que diferentes extensões de ondas resultam na percepção de diferentes cores. Na audição as vibrações moleculares incidentes sobre o ouvido podem variar em freqüência, sendo que diferentes freqüências de vibração propiciam alturas diferentes de sons.

As variações em intensidades e em outras propriedades da energia são transformadas num código, que comunica a informação do estímulo ao sistema nervoso central. Estes processos representam o primeiro estádio da percepção.


APRENDIZAGEM E PERCEPÇÃO

A correlação entre processos neurais e fenômenos perceptivos sugere que a experiência não é aprendida, mas advém de processos e interações particulares, induzidos por padrões de estimulação.


PERCEPÇÃO E ATIVIDADE NEURAL

O declínio no brilho aparente se relaciona com a diminuição na freqüência dos impulsos e a redução progressiva do brilho está relacionada com a diminuição da velocidade dos impulsos, visto que os olhos são estimulados por uma intensidade constante.


DETERMINANTES INATOS DA PERCEPÇÃO

Pelo menos em alguns aspectos, o comportamento perceptivo não depende da aprendizagem. Uma das tarefas da psicologia experimental é a exploração detalhada das condições do estímulo que disparam estas formas de comportamento padrão, sem aprendizagem prévia.


A existência de respostas discriminativas inatas é evidenciada a partir de duas fontes principais: o comportamento de espécies sub-humanas cuja exposição à estimulação pode ser controlada ou impedida até o momento das observações experimentais, e o comportamento do ser humano recém-nascido.


Padrões de estimulação funcionalmente significativos para o animal são reconhecidos e discriminados, sem aprendizagem ou exposição prévia.


PERCEPÇÃO DO ESPAÇO BIDIMENSIONAL

A energia do estímulo pode mudar tanto em função do tempo como do espaço. A forma e a textura visuais decorrem de mudanças em intensidade e comprimento de onda da luz que chega à retina, e sensações tácteis como as de macio e áspero, assim como as sensações de contorno são associadas a variações de pressão mecânica sobre a superfície da pele.


A percepção de limites e bordas é auxiliada por mecanismos sensoriais que intensificam as mudanças espaciais na estimulação. Bordas e contornos são gerados não somente por mudanças nas propriedades fundamentais da luz, como também em virtude de propriedades mais complexas, como a densidade dos elementos que compõem a configuração.


ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO NA PERCEPÇÃO DA FORMA

Não há dúvida de que a familiaridade do observador com certas formas significativas e suas expectativas, determinadas por instruções e experiências prévias, afetam consideravelmente o que ele percebe como figura e como fundo.


TEORIA EM PERCEPÇÃO

A Teoria da Gestalt é fenomenológica, realça as relações entre processos no sistema nervoso central e as experiências do observador e dá pouca importância ao papel da aprendizagem na percepção. A noção básica do Gestaltismo afirma que a percepção é relacionalmente determinada. Um segundo princípio fundamental da Teoria da Gestáltica é o do isomorfismo, que afirma haver correspondência entre os processos induzidos no sistema nervoso central e os fenômenos perceptivos.


AS CATEGORIAS DA PERCEPÇÃO

A percepção pode ser considerada a partir de três categorias de variáveis: a do ambiente físico, a das interações e processos fisiológicos e a dos eventos comportamentais. As variáveis-estímulo são as que ocorrem no passado do indivíduo (HS), assim como a estimulação atual (S). Pode-se admitir que a estimulação passada e as respostas de atenção resultam em eventos e mudanças neurais que constituem a memória ou armazenagem neural do indivíduo. Esta última pode ser denominada depósito neural central (DNC).O estímulo em ação no momento induz processos quer no sistema nervoso periférico, como, por exemplo, nos receptores e estruturas associadas, quer nas regiões centrais, inclusive o córtice cerebral. Podemos denominá-las atividades neural periférica (ANP) e atividade neural central (ANC). O depósito neural central, a atividade periférica e os eventos neurais centrais podem ser considerados como uma combinação que produz os eventos fenomênicos da percepção (F), que, por sua vez, servem como mediadores para a resposta comportamental manifesta.


A psicologia da Gestalt concentrou-se nas relações existentes entre estímulos (S), atividade neural central (ANC) e o estado de consciência (F). As teorias funcionalistas acentuaram as interações entre aprendizagem prévia (DNC), estimulação (S) e tanto fenômenos (F) como respostas (R). As interações entre estimulação (S) e atividade neural periférica (ANP) lançaram luz, recentemente, sobre a codificação de energia do estímulo, e que a história do estímulo (HS) do indivíduo, juntamente com o estímulo atual (S) se combinam para produzir qualquer fenômeno (F), como, por exemplo, a memória de cores.




R. H. DAY

em Psicologia da Percepção

Coleção Psicologia Contemporânea

Livraria José Olympio Editora – 3ª edição – RJ – 1979 – 108 p.


LIVROS DA ÁREA DE NEUROCIÊNCIA LIDOS EM 2009/2010

* Psicologia da Percepção - R. H. DAY
* Os Sete Pecados da Memória - como a mente esquece e lembra - DANIEL L. SCHACTER
* Mentes Inquietas - TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade - ANA BEATRIZ BARBOSA SILVA

LIVROS DE LITERATURA LIDOS EM 2009/2010

* Memórias do Subsolo - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* Oráculos de Maio - ADÉLIA PRADO

* No Caminho de Swann - MARCEL PROUST

* Fantasma Sai de Cena - PHILIP ROTH

* Indignação - PHILIP ROTH

* Caim - SARAMAGO

* Recordações da Casa dos Mortos - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

* O Seminarista - RUBEM FONSECA

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